quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

"Madagascar - A grande escapada" de Eric Darnell e Tom McGrath 2008

Nota: Animação - entreter adultos, divertindo jovens e crianças.

São vários os filmes de animação que agregam valores e mensagens diretas aos espectadores.
Os que entram em circuito comercial, geralmente focam o público infantil. Mas esse público infantil depende da aprovação do verdadeiro público-alvo: pais, professores, tutores e responsáveis.

Independente da realidade caótica e dos valores corrompidos da sociedade em que vivemos. O espectador "responsável" releva o fundo educativo do filme e a sua repercussão na mente da criança. Quanto mais inofensivo, melhor. "O mundo pode estar perdido, mas o futuro depende das crianças". Acho que é por isso que este filme traz mensagens positivas e imaginárias. Sugere algumas reflexões, porém muito superficiais.

Pareço irônica. Mas no fundo eu preciso de filmes assim. Preciso de pequenas ilusões.

Em Madagascar identifiquei diversas linhas de reflexão. Algumas evidentes e outras possíveis.
Acostumada com tantas linhas narrativas, achei que analisar uma animação poderia render discurso. Vamos ver se lembro de todas, com a mesma ânsia da saída do cinema.

A 1ª: separação de pai e filho que resultou no destino de Alec - "Alex"- o leão. Causalidade. O filhote distraído com seu talento em dançar, pular e brincar, é atraído por caçadores. Dois caminhos separados. Se ele prestasse a atenção no pai, talvez tivesse ficado em segurança.
Porém em sua trajetória encontra solidariedade e se torna uma estrela por ser o que é.
O reencontro é um fio de esperança, diante de tantas crianças desaparecidas e separadas dos verdadeiros pais.

A 2ª: Pai e Alex. o reencontro com a família e o desafio de ser aceito pelo pai. Ele não é o que o pai gostaria que fosse, mas em certo momento, consegue mostrar seu valor e conquistar seu espaço. Há lugar para todos e ocorre uma mudança na visão antes alienada do pai.

3ª: Pai e rival. o talento da liderança é algo nato e não conquistado. Se na vida já podemos comprovar este fato, nesta animação e até em outros filmes é algo excessivamente expressado. Concordo plenamente. É nato.

4ª: Glória e Melman. O amor existe mesmo na "diferença". Seja de espécie, sexo, cor e etc. Bem clichê. Glória e Melman não ficam juntos como casal, mas sentem-se realizados e valorizados por serem o que são. Se o gostosão não a valoriza como alguém "única", Melman (ao achar que vai morrer) revela seu amor e admiração.

5ª: Marty. Responsável pela fuga do zoológico, em busca das respostas para seu vazio existencial (referente ao primeiro filme), é aquele que encontra nas origens, igualdade. Não é único e sim uma produção em série.

6ª: Velha. Uma comédia, porém quando torna-se "sobrevivente" funciona como uma representação negativa da quebra do ecossistema quando ensina aos outros como sobreviver. Ações que resultam no bloqueio da água. Seqüência: o avião cai na África. os espertos e mafiosos pingüins saqueiam os gipes para reconstruirem o avião. Aí então a velha torna-se sobrevivente. Até que ponto é uma mensagem negativa? Necessidade?

Acho que o resultado é uma mistura de reflexão e diversão sem muitos critérios narrativos. Puro entretenimento com um toque de mensagem positiva. Nada é aprofundado e o desfecho é a típica vitória do "bem".

(continuo depois....ou não.)

borboletinhas.


Eu vejo cores. Um radiante azul. Um amarelo alegre.
E outras cores indefinidas.
Eu vejo magia. As borboletinhas sorriem.
Sinto o calor da ausência de significado.
Tudo parece tão belo. Tão importante.
É suficiente.
Ontem eu acordei bem. Hoje acordei mal.
Um segundo e a paisagem colorida desaba.
Vejo escuridão. Sinto frio. Um abraço ausente gelado.
O silêncio doloroso. O vazio perturbante.
Tateio por cores. Esmago-as entre as mãos. Imploro.
Procuro esperança. Ela ainda não deu as caras.
Sinto a melodia. Deixo-me levar. Meu corpo reage.
Imploro.
Às vezes só não quero acordar.
Quero só imaginar a paisagem colorida.
Apenas imaginar.
Dói saber que ela só existe pra mim.
Dói saber que essas cores não existem. Não hoje.

Amanhã vou acordar melhor.

realidade.

Ela tem vontade de vomitar.
Ela sacia a sede da gula, mas tem vontade de vomitar.
Mas ela sabe que não consegue. Ela sabe que tem que digerir. Ela se odeia por isso.
Odeia a idéia de impotência. Odeia a idéia do fracasso.
Ela sabe que precisa suportar até a próxima crise. Sempre existe a próxima.
Um dia bom, dois dias bons, três, quatro. Um terrível.
E o desejo de se esvaziar é maior que a soma de todos os melhores dias de sua vida.
A fragilidade da sua existência pode depender de alguns segundos, de uma decisão.
Mas ela não consegue vomitar. Não aquilo que queria. Não aquilo que está enraizado nas profundezas do seu "eu". Aquilo que ela não consegue explicar, entender ou simplesmente significar. Não existem palavras. O dicionário é inútil. Ela apenas sabe que está lá.
Ela vomita as palavras, vomita sua fúria, vomita a raiva.
Seu vômito é forte, pesado, cruel.
É a mistura dos dias ruins, com "milhos" de inseguranças, frustrações e fracassos.
Todo vômito tem seu "milho". Aqueles malditos pedaços amarelos sempre presentes.
Um vômito de revolta, indignação, insatisfação.
O vômito da verdade.

Nota: nunca existe verdade. Relativo vem antes do "v". Doer antes do "r".

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Filmes do mês - dezembro

São atualizados no decorrer do mês.

07D- A mãe de Vsevolod Pudovkin 1926 - TV UFSC
06D - O garoto de Charles Chaplin 1921 - TV UFSC
05C - Madagascar 2 - A grande escapada de Eric Darnell e Tom McGrath 2008 (2)
04D- O encouraçado Potemkin de Sergei Eisenstein 1925 - TV UFSC
03T- Simples como amar de Garry Marshall 1999 (3)
02C- Os estranhos de Bryan Bertino 2008 (2)
01C- Vicky Cristina Barcelona de Woody Allen 2008 (3)
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Organização: Ordem crescente - em números. Nome do filme + diretor + ano.
Códigos: A (em aula); C (cinema); D (dvd próprio ou locadora); P (pirata ou baixado); T (tv)

Notas: (0) horrível; (1) ruim; (2) razoável; (3) bom; (4) muito bom; (5) excelente

*Revistos

“O rio” de Tsai Ming-liang 1997

por Alessandra Collaço da Silva

Um jovem aceita participar de um filme com a condição de entrar num rio poluído. Posteriormente é acometido por uma dor intensa no pescoço, que o acompanha durante toda a narrativa, sem encontrar solução em nenhuma das diversas alternativas buscadas.

Nesta linha central, entre reflexos e penumbras, destacam-se outros dois personagens: os pais de Hsiao-kang.

É na narração onisciente e distanciada que presenciamos fragmentos destas três vidas relacionadas entre si e alguns dos seus segredos e intimidades. Um pai homossexualmente reprimido, uma mãe insatisfeita sexualmente, que busca em outro homem um prazer pouco concedido. E um filho enlouquecido pela dor e desesperado por uma improvável cura. Três personagens num lar alagado por uma forte infiltração de água.

Um filme que têm planos que duram mais do que deveriam, causando frustração e uma leve sensação ilusória de dor no pescoço. Uma trajetória linear que aborda situações banais da vida e das relações estabelecidas. Nada muito grandioso ou diferente da realidade da nossa cultura, porém assistir e falar de filmes orientais é sempre um desafio, pois é impossível não me desapegar da cultura diferente, onde coisas comuns para eles, tornam-se dificuldades para mim. Exemplifico com as cenas de sauna, que além de serem pouco e raramente iluminadas, não me eram claras as verdadeiras significações: quartos de banho onde homens se encontram, trocam carícias e fazem sexo. Tendo dialogado com alguns outros espectadores, as incertezas se confirmaram certezas e só assim pude constatar aquilo que já havia supostamente ter entendido e não sabia ao certo.

Diante de algumas certezas, ouso dizer que o filme funciona com sugestões. Nada é explícito ou óbvio, apenas sugerido e deduzido. O diretor constrói em linguagem visual a trama de significações e trajetórias possíveis. Os diálogos não são óbvios e não há constatação de causalidade durante o filme, a não ser na piora de Hsiao-kang e no auge da narrativa: a monotonia da espera num quarto de hotel, que os leva ao encontro casual e sexual de pai e filho na sauna para homens.

Observei duas características fílmicas importantes: o abuso de enquadramentos com foco no reflexo do espelho, que reforça a idéia de voyerismo do próprio espectador, além da penumbra ou total escuridão usadas em todas as cenas de sexo dos personagens. Escuridão inclusive que remete a própria visão humana no escuro, que só aos poucos se acostuma e consegue enxergar algo mínimo.

Eu me arriscaria em dizer que o diretor fez estas escolhas pela discrição e vergonha, comuns da cultura oriental. Se não pelo o diretor, pelo menos pelos possíveis espectadores. A própria imagem do que indica um filme pornô, é focado nos gemidos de uma garota que tem seu peito beijado e é excitada com as mãos por cima da calcinha. Perto do que vemos de pornográfico por aqui (Brasil), seria apenas uma sugestão de filme erótico.

Essa escuridão também poderia funcionar como indício do ponto alto do filme: assim como o pai, secretamente Hsiao-kang procura prazer numa sauna para homens. Após relacionar-se com outro homem às escuras e adquirir intenso prazer, quando o ambiente é iluminado, um descobre o outro. Qual seria a vergonha maior? Ter descoberto a homossexualidade do outro ou descoberto que o prazer foi adquirido incestuosa e casualmente?

Se dois personagens são revelados, como ficaria a esposa e mãe após constatar ser mais uma vez infeliz, ainda sem saber o que fora revelado para nós? Ela também faz uma descoberta. Aquilo que tanto transbordava em seu lar, era causado por uma simples torneira aberta. Um rio de água que poderia ser evitado por um simples gesto: fechar a torneira. Assim como a torneira, pai e filho poderiam ter evitado tamanho mal-estar, se não precisassem ficar naquele quarto de hotel desnecessariamente, já que o tal “mestre” dispensou-os de seus serviços. Um gesto e atitude simples que não puderam evitar um “rio” de conseqüências.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Filmes do mês - novembro

São atualizados no decorrer do mês.

12A- O rio de Tsai Ming-liang 1997 (2)
11C- 007 Quantum of solace de Marc Forster 2008 (2)
10D- Desaparecidos de Marco Kreuzpaintner 2007 (2)
09D- Primo Basílio de Daniel Filho 2007 (2)
08D- O código Da Vinci de Ron Howard 2006 (3)*
07D- Olho por olho de Dan Reed 2008 (0)
06D- Programa animal de Fred Wolf 2008 (-1)
05A- Sangue Negro de Paul Thomas Anderson 2007 (3)
04P- Desejo e reparação de Joe Wright 2007 (3)
03D-O último dos moicanos de Michael Mann 1992 (_)
02D- Sociedade dos poetas mortos de Peter Weir 1989 (2)
01D- Os outros de Alejandro Amenábar 2001 (3)*
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Organização: Ordem crescente - em números. Nome do filme + diretor + ano.
Códigos: A (em aula); C (cinema); D (dvd próprio ou locadora); P (pirata ou baixado); T (tv)

Notas: (0) horrível; (1) ruim; (2) razoável; (3) bom; (4) muito bom; (5) excelente

*Revistos

“Faces” de John Cassavetes 1968

por Alessandra Collaço da Silva

Um filme sobre personagens, muito mais que uma história em si. Um marido que procura fora o que não encontra no próprio casamento. Uma jovem mulher que não sente atração pelo marido e nem pela vida. Uma outra que alivia a solidão na bebida e nos homens que conhece, na esperança de um dia encontrar alguém que a ame de verdade. Uma reflexão sobre o fardo do tempo e a conseqüência das escolhas que pesam com o passar dos anos, mantendo os personagens numa constante melancolia.

Gena Rowlands faz o papel de Jennie, que assume no filme o estereótipo da mulher sexy, e divertida, mas não para casar. Vista como prostituta, talvez pela época do filme, nos dias de hoje se aproxima muito mais da mulher moderna e liberal que de uma profissional do sexo. Para ela o tempo corre ainda mais, afinal quando se entra nessa vida, difícil é sair dela.

Jennie parece muitas vezes incomodada com a vida que leva, mas também conformada por falta de escolha, já que não é mais aquela “virgem” jovem, cheia de sonhos e desejos, com o futuro a esperando pela frente. Ela fez suas escolhas e agora atura as conseqüências.

Na seqüência inicial, quando conhece Chet e seu amigo, vemos um trio se divertindo, alcoolizado e gozando de um momento simples e banal da vida. Eles bebem, riem e contam piadas, tudo aparentemente espontâneo, porém quando o “amigo” a lembra que ela é apenas uma prostituta, que vende o corpo, a companhia e a beleza jovial por trocados, ela desaba. Seu rosto demonstra impotência, infelicidade, pois antes parecia conseguir aproveitar e ver o lado bom da vida que leva, mas é essa mesma vida que faz questão de lembrá-la da sua realidade. Que os homens se aproximam por interesse, muitas vezes para satisfazerem-se, quando suas esposas não conseguem mais. Homens que só querem usufruir da sua beleza, corpo e companhia, não importando seus sentimentos e vontades.

Jennie enxerga em Chet uma possibilidade de mudança, de alguém que poderia tirá-la dessa vida. Quando ele aparece em meio a outro “cliente”, ela projeta nele uma salvação e esperança. Despacha o outro “velho insatisfeito” e liberta-se para Chet. Este que decide se separar, já que a esposa não o corresponde. Chet é cavalheiro, gentil e educado e parece não se importar com seu passado. Tudo isso, até o dia seguinte. O maldito dia seguinte pra qualquer mulher solteira, que tem esperanças de ainda viver um grande amor e significar algo para alguém.

Apesar de narrar situações de casais e relações, a câmera parece estar muito mais em função da mulher, já que focaliza bastante em planos fechados seus olhares de frustração e desejo.

De vez em quando vemos Jennie com seus olhares de esperança reprimida, ou descaso forçado, ou ainda de conformidade com a realidade. Jennie é puro olhar, pura transpiração. Ela é mistério e desejo. Jennie é a mulher existente dentro de todas as mulheres. Muitas vezes adormecida, muitas vezes totalmente liberada!

“Sangue Negro” de Paul Thomas Anderson 2008

por Alessandra Collaço da Silva

Sangue Negro é a história de um explorador de petróleo, Daniel Plainview, desde sua primeira descoberta até o fracasso pessoal absoluto. Um personagem incógnito e duvidoso, que julga-se competitivo e individualista, já que afirma odiar quase todas as pessoas por só ver o pior de todas, ou quase todas, já que demonstra afeto por algumas.


É um longa-metragem que acontece muito mais no silêncio, nas expressões, ações e principalmente na trilha progressiva e macabra que contrasta com as imagens e a tamanha agressividade que envolve a maioria delas.


Se por vezes isto parece engrandecer o filme, para mim causou uma falha brutal. Assistida as primeiras seqüências por pelo menos duas vezes, destacando a seqüência de Paul Sunday com Daniel, ao final do filme não havia entendido que Paul e Eli eram irmãos gêmeos e que esta relação era fundamental para compreensão da história.


Independente do que entendi, fica evidente que o filme não esclarece e nem torna claras as ações e relações dos personagens. Não há passado de nenhum deles, não há explicação clara para a origem de H.W., não há uma evidente diferença entre Paul e Eli, não há clareza no caráter de Daniel. É por isso que ouso dizer que os personagens são feitos apenas de sugestões. A maioria parece ter caráter duvidoso e nem sempre suas ações ficam claras. Talvez uma boa representação do que realmente é o ser humano: complexo. É na sutileza e nos gestos que entendemos os personagens.


Mas falar do filme é falar de Daniel Plainview e falar dele é falar da trilha sonora.


Ao que parece, a trilha sonora não funciona apenas como um pano de fundo, mas como um complemento para suas ações e cenários apresentados. Ela evidencia suas emoções e estados de espírito. Ela consegue transmitir ironia e progressão de acordo com os acontecimentos.


Na primeira seqüência, Daniel apresenta-se explorando poços e parece procurar petróleo ou algo valioso, já que parece persistente. Por cerca de 14 minutos não há qualquer diálogo, a não ser sons e urros de dor. Não há explicação e nem a necessidade de uma, afinal entendemos claramente através da passagem dos anos informada em caracteres, e na transformação física do personagem. A trilha possui um tom macabro ao evidenciar em plano geral o percurso que Daniel precisa fazer após ferir gravemente a perna. Este tom macabro varia durante todo o filme, de acordo com os ambientes e situações perigosas do personagem e seus próximos.


Já numa seqüência posterior, a música é progressiva a cada martelada e chega num auge sonoro quando o desejado líquido negro é encontrado. Lembra-me muito a trilha da série Lost em seus momentos de maior mistério e descoberta. O som das engrenagens e ferramentas se misturam ao som instrumental, invadindo a imagem ao ponto de torna-se primeiro plano. E é em segundo plano que vemos a comemoração dos exploradores e sentimos um incomodo estado de espírito. É a excitação de Daniel ao procurar e encontrar petróleo, mas que sempre vai de encontro com o tom macabro, quando alguém morre ou se fere. Parece que para cada passo do sucesso de Daniel, ele recebe um castigo ou punição.


Com estas observações ousaria dizer que temos duas linhas narrativas: a narrativa visual e a narrativa sonora.


Na cena de Daniel no trem com o bebê, uma voz masculina saúda-nos em off “Senhoras e Senhores”, sustentando a imagem e parecendo dirigir-se ao espectador, para depois entendermos que é o discurso que Daniel está fazendo em algum tipo de reunião como explorador. É apenas mais um fragmento da história de Daniel e os percursos que traçou para se tornar produtor de petróleo, mas novamente a imagem está em segundo plano.


Outra seqüência onde a narrativa sonora se faz evidente é a seqüência onde H.W. fica surdo. Ao som de explosões e desabamentos, intercala-se um zunido constante. É esta a evidência principal e imediata da surdez do menino e é somente neste trecho que ela aparece. Quando Daniel desiste do menino, o zunido não mais aparece.


Se todo o filme é baseado no desenvolvimento de um personagem principal: Daniel Plainview, a trilha sonora neste caso, quase sempre está em função dele. Ela não é neutra ou imparcial. Ela brinca conosco, pois está mais em função do humor macabro de Daniel, do que no horror encenado nos assassinatos, no espancamento do pastor, no abandono do filho e nas suas bebedeiras.


domingo, 12 de outubro de 2008

Filmes do mês - outubro

São atualizados no decorrer do mês.

12A-Faces de John Cassavetes 1968 (2)
11T-Mamãe quer que eu case de Michael Lehmann (2)*
10D-Antes que o diabo saiba que você está morto de Sidney Lumet 2007 (5)
09C-Espelhos do medo de Alexandre Aja 2008
08C-Noites de tormenta de George C. Wolfe 2008
07T-A outra face de John Woo 1997 (5)*
06T-A nova onda do imperador de Mark Dindal 2000 (2)
05T-A mulher do meu irmão de Ricardo de Montreil 2006 (2)
04C-As duas faces da lei de Jon Avnet 2008 (1)
03A-Elefante de Gus Van Sant 2003 (3)
02C-Nem por cima do meu cadáver de Jeff Lowell 2008 (2)
01D-Olho por olho de Jonh Schlesinger 1995 (4)*
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Organização: Ordem crescente - em números. Nome do filme + diretor + ano.
Códigos: A (em aula); C (cinema); D (dvd próprio ou locadora); P (pirata ou baixado); T (tv)

Notas: (0) horrível; (1) ruim; (2) razoável; (3) bom; (4) muito bom; (5) excelente

*Revistos

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Ensaio sobre o “Ensaio” II

Enviado para Revista Punctum - Revista Eletrônica de Cinema - UFSC
Edição Setembro 2008, mas texto REJEITADO.
www.punctum.ufsc.br

por Alessandra Collaço da Silva

Não li o livro (ainda). Nunca ouvi falar da história até duas semanas. Um casal dizia que havia detestado. Eu sabia da existência do filme na pré-produção e um pouco da sua repercussão no Brasil. Coisas do tipo: diretor brasileiro, atriz famosa, locação em São Paulo e blabláblá. Desafio: assistir e entender porque aquele casal não havia gostado. Fiquei sem uma boa resposta. Não é um filme qualquer, não conheço nada para compará-lo. É forte e chocante. É um filme de gosto difícil. E pra mim, não deixa de funcionar como uma mensagem, um anúncio ou mesmo um ensaio de algo muito maior que está ou pode estar por vir.

É sobre o caos estabelecido e a reação das pessoas diante do caos. Ou talvez um ensaio sobre um caos já existente de uma população sem fé, sem ética e sem valores. Uma cegueira metafórica, porque nem todo que enxerga realmente vê e nem todo cego realmente não enxerga. Uma cegueira branca, pela luz excessiva, ou uma cegueira causada por tudo aquilo que os rodeia, mas que não se enxerga mais: a injustiça, o preconceito, a falta de valores, a maldade, a exploração, a banalização, a mentira e tantas outras atitudes dos seres humanos diante da vida, julgadas sem importância ou sem a iniciativa de mudá-las.

Em certo momento do filme, a “esposa do Doutor”, Julianne Moore, entra numa igreja onde todas as esculturas de anjos e santos estão vendadas. Enquanto ela observa horrorizada, já que é a única que enxerga, ouvimos em off uma voz masculina dizer que São Paulo foi convertido através da cegueira, mas também ouvimos a mesma voz se questionar sobre o caos da cegueira, alegando que não é coisa de Deus. Por que não seria?

Uma epidêmica cegueira como apresentada no filme, até poderia ser uma intervenção divina, mas as escolhas e atitudes humanas diante dela não são divinas. Matar, estuprar, enganar, ajudar, ceder, cobrar, amar são da natureza do ser humano. Se a vida e nova realidade ficou mais difícil pela cegueira, cabe a eles decidir o que fazer e como se portar diante de tal problema. Culpar o outro é apenas uma desculpa para não agir.

A cor do filme é opaca e clara como num dia nublado. Tudo é muito branco e com excesso de luz. Associada a religiosidade, poderíamos sentir realmente uma manifestação divina, já que o branco no geral é associado a paz, a clareza, a espírito e equilíbrio. Essa brancura poderia ser uma manifestação positiva, uma cegueira que os obrigaria a realmente enxergar. A câmera inclusive, adota esta postura, quando insiste em vários momentos em enquadrar e estabilizar num lugar qualquer, como o olhar de um cego. Um olhar vago que não se entretem com nada, mas um "nada" que posteriormente nos remete a algo. Algo como o tempo decorrido, através da transformação das frutas na casa do "Doutor e esposa". Ou um trecho de rosto, um pedaço de braço, uma lágrima escorrendo. Talvez uma mensagem para nós, afinal o nosso olhar obrigatoriamente é o olhar da câmera, e é o ser humano quem está sendo retratado no filme.

O filme me remete a dois ditados conhecidos: "Em terra de cego, quem tem um olho é rei! (ou quem é "cego" também.)" e "Dê poder ao homem que conhecerás teu cárater". Os personagens não têm nome, sua profissão não importa, nem sua vida passada, mas todos têm seus valores. Bons ou ruins. E o filme nos apresenta as atitudes de alguns personagens diante desta cegueira contagiosa e repentina.

Descobrimos entre os cegos contaminados, um cego de nascença. Um dos líderes da Ala 3. Ala que impõe suas vontades e tiram de outros, o pouco que lhes resta: a dignidade. Este cego é "Rei". Ele passou a vida "enxergando" pelos cheiros, pelos sons, pelo tato. Ele sabe determinar quando algo é ou não de valor pelo tato. Ele reconhece alguém pelo cheiro ou pelo som. Este cego na verdade enxerga.

E a "esposa do doutor"? Será que não desejava a cegueira? Será que queria ver as pessoas se transformarem em monstros, por comida? Vê-las perder a dignidade? Ver a feiúra do ser humano, tanto fisicamente quanto metaforicamente?

De uma certa forma, era cega. Submissa e generosa, liderou o grupo, aprendeu a conviver, a aceitar e a adaptar-se. Acostumou-se. Precisou matar e ameaçar para sobreviver, mas não se orgulha por isso. Ela podia ter agido diferente, mas agiu com caráter e semelhança. E quando percebeu que a cegueira poderia ser reversível? Ficou feliz? Afinal ela estava se sentindo alguém. Alguém importante e prestativo, talvez um alguém com um novo sentido na vida. O seu mundo tornou-se um lugar novo.

Se São Paulo se converteu através da cegueira, será que ela, no meio de uma cegueira absoluta, sendo a única que enxergava, teria se convertido?

A sensação é de incerteza. De incapacidade e impotência. De caos e horror. Mas também de esperança e da necessidade da fé. O ser humano muitas vezes precisa decidir como reagir ao caos, porque no fundo, é esta decisão que realmente importa, independente se tudo ao redor parece tão perdido e sem sentido.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

"Olho por olho" de John Schlesinger 1995

Em breve. (ou não...)

Pensamento do dia

Obrigada Deus, pelo talento da música.
Eu não tenho este talento, mas agradeço aos que têm.
Agradeço pela música que adoça meus ouvidos e acompanha meu humor.
O mundo só é um lugarzinho melhor por causa dela.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

“Um condenado à morte escapou” de Robert Bressom 1956

por Alessandra Collaço da Silva

O título resume o filme. É isso. E o personagem descreve suas ações. Nada surpreendente, completamente óbvio.

O foco é o prisioneiro. A imagem limita seu próprio espaço, como ao espaço limitado de uma cela. A câmera está sempre muito próxima, sufocante. Imagens em plano-detalhe quando ele “cava”, ou primeiro plano quando ele é mostrado. Agoniante. Apertado.

O prisioneiro narra o que sente e o que faz. E o filme trata de narrar suas relações com outros presos durante o “banho”. Não precisamos adivinhar nada. Está tudo ali, entregue. Mas só vemos aquilo que está ao alcance do personagem. A câmera está em função dele. Aquilo que ele não vê, também não vemos. Se algo externo acontece, é através dele que nos alcança, como os passos dos guardas na escada ou as batidas na parede. Só a “visão” dele, nada mais.

Apesar de óbvio, o tempo presente é narrado no passado. Não há nada para adivinhar. Mas a incerteza de sua escapatória nos prende. Ele conseguirá ou não fugir? Esperamos apenas pela confirmação, assim como seus companheiros. Então o filme nos prende até o fim, para sairmos sem qualquer surpresa, apenas a confirmação de um sim ou de um não.

O filme é monótono como a rotina da prisão. Os fades longos e pretos indicam passagem de tempo. Ou será que a sua camisa cada vez mais suja também tem essa função? Não sabemos. Pura especulação.

Quando seu plano de fuga começa a dar certo (ele separa as tábuas e sai da cela pela primeira vez), os enquadramentos ficam mais distantes. Indicando um fio de liberdade? Menor sensação de sufocamento? Já não é tão apertado. Temos alguns planos-americanos.

O personagem reflete se sua liberdade vale outras vidas. Ele dialoga com o companheiro da cela ao lado. A esperança do outro é que o motiva para fugir. Ele sabe que não conseguirá sozinho.
Para fugir precisa matar um policial. Pela primeira vez (até onde me lembro) seu ponto de vista não é mostrado. Mas sabemos que matou pelo corpo caído. Não sentimos raiva. Não sentimos nada. Desde o começo desejamos a liberdade, ou pelo menos esperamos por ela. Só pra ver o que acontece.

Porque não podemos ver seu pior lado? O lado assassino? Não devemos? Não queremos?

No fundo o que importa não é ele, mas a sensação de liberdade. Desde o começo estamos sufocados na cela e a liberdade do personagem nos dá a liberdade da imagem, de mostrar além daquilo que ele podia ver. Se ela custou uma vida? Passa batido. Não precisamos pensar nela.

Manifesto contra a verdade

(Salve o cinema de Mohsen Makhmalfab 1995)

de Alessandra Collaço da Silva


Imbecil. Eu pensei. Mas porquê? Imbecil. Não vi inteiro, mas trecho imbecil. Diretor imbecil, idéia imbecil, pessoas imbecis. Risos irritantes e imbecis. Mas porquê? Não sei dizer.


Não é um reality show. Não é, mas parece.


Eles não sabem. Aquelas pessoas iguais e desesperadas não sabem de nada. O diretor sabe. E elas só querem uma chance. De atuar? De ter 15 minutos de fama? De serem alguém?


Não. Nem sabem, mas querem uma chance de perpetuar. Não serem esquecidas. Não morrerem em morte. Porque só morre mesmo aquele que não vive na lembrança. Estar no vídeo é congelar o tempo. É de alguma forma congelar na imagem e quem sabe, sobreviver à própria morte. Todos ou muitos desejam isso. O pavor verdadeiro é ser esquecido, quase como nunca ter existido e “ser imagem” é perpetuar.


Para alguém, quem quer que seja, a imagem vive, às vezes para sempre. O diretor sabe disso e explora. Viola meus valores éticos que eu nem sabia que tinha. Mas tenho. Descobri.

Imbecil. Continuo achando. Mas de certa forma, importante ocorrer. Porque me irrita. Eu nego esse cinema, que é cinema, mas não o cinema que acredito e amo.


Aqueles rostos constrangidos, testados e induzidos a aceitar a humilhação. Ouço risos, frenéticos, intensos e eles me irritam. Não há graça, a menor que seja.


Eles não se importam de serem humilhados. Mas o diretor sabe. E isso me irrita profundamente. Tenho raiva das “vítimas”, como em qualquer reality show. Fodam-se. Quem mandou aceitar? Dar a cara a tapa? Se expor tão profundamente. Pro reality show eu não ligo, mas pro filme sim. Porque eu vejo seu idealizador. Ele se mostra, ele tem nome, ele é imagem. Tantas coisas e tenho que ver isso?


Não há tempo em vida que me permita ver todo cinema feito. Preciso escolher. O tempo corre. Porque desperdiçar com trechos tão desprezíveis? Eu sei. É importante. Por algum motivo é. Não sei qual. Mesmo assim me irrita.


Talvez a cultura. Todos aqueles panos e caras iguais. Todos tão sofridos e querendo ser diferente. Todos tão desesperados. Tenho pena, raiva, agonia, vergonha alheia. Não costumo ter, mas tenho. Tive.


Não quero ver. Não quero ver a verdade do mundo. Isso existe. É real. Isso é poder. Isso me enoja. Que ela exista longe de mim. Porque eu escolho não mostrá-la. Não quero. Quero mostrar verdades boas. Melhores. E talvez mentiras desejadas. Aquelas que podiam ser, mas por algum motivo não são. Por algum motivo...


Não desisto. Sou de fé e esperança. Acredito no melhor do ser humano. É o que vale a pena mostrar. Acreditar nos sonhos. Acreditar na magia do cinema.


Magia do cinema. É essa verdade-mentira que quero ver e contar.


domingo, 21 de setembro de 2008

"Ensaio sobre a cegueira" de Fernando Meirelles 2008

por Alessandra Collaço da Silva

"Ensaio sobre o 'Ensaio'"
Não li o livro. Nunca ouvi falar da história até duas semanas. Um casal dizia que havia detestado. Eu sabia da existência do filme na pré-produção e um pouco da sua repercussão no Brasil. Coisas do tipo: diretor brasileiro, atriz famosa, locação em São Paulo e blabláblá. Desafio: assistir e entender porque aquele casal não havia gostado. Fiquei sem uma boa resposta. Não é um filme qualquer, não conheço nada para compará-lo. É forte e chocante. É um filme de gosto difícil. Não esperem puro entretenimento, pois não terão.

A história em si já é muito interessante pelas possibilidades metafóricas que ela invoca. Uma cegueira branca, inexistente no mundo "real", cegueira como epidemia, contagiosa e caótica. Uma história sobre o caos estabelecido e as reações das pessoas diante do caos. Um horror. Apavorante. Agoniante.

O que mais me impressionou foram as escolhas técnicas. A fotografia, por exemplo. Uns enquadramentos estranhos e aparentemente mal feitos, mas extremamente importantes. A câmera, de uma certa forma, produzia a sua própria cegueira. Estabilizava num lugar qualquer, como o olhar de um cego, que nada enxerga. A câmera funcionava como um olhar vago, muitas vezes sem se entreter com nada, mas um "nada" que posteriormente nos remete a algo. Algo como o tempo decorrido, através da transformação das frutas na casa do "Doutor e esposa". Ou um trecho de rosto, um pedaço de braço, uma lágrima escorrendo.

"É como nadar em leite". Além da fotografia, a cor opaca do filme é bem trabalhada, ressaltando a claridade e o branco excessivo. Os próprios fades brancos usados na transição dos planos, durante a contaminação, remetem-nos a cegueira acontecendo nos personagens. Tudo branco, tudo cego, tudo tão claro e excessivo. Tudo tão caótico e incerto. Meirelles ou quem quer que seja, escolheu estabilizar a câmera em objetos, móveis, paisagens brancas e estouradas. Essa transição nos dá a idéia de "enquanto isso": enquanto um oftamologista fica cego, a criança também fica.

"Claridade excessiva". O branco, a cor opaca, a saturação, o contraste, o desfoque, as transições, etc., todas estas escolhas se tornam importantes pra condução da narrativa, pra história, pro filme, pra adaptação do livro de Saramago (que eu não li) e pra agoniante sensação de cegueira repentina e inexplicável. A imagem tão bem trabalhada, entre foco e desfoque torna-se parte da escolha de como contar uma história tão chocante, e peça fundamental pra sensação do espectador diante da epidêmica cegueira.

"Em terra de cego, quem tem um olho é rei! (ou quem é "cego" também.)" e "Dê poder ao homem que conhecerás teu cárater". Os personagens não tem nome, sua profissão não importa, nem sua vida passada, mas todos tem seus valores. Bons ou ruins.

Descobrimos entre os cegos contaminados, um cego de nascença. Um dos líderes da Ala 3. Ala que impõe suas vontades e tiram de outros, o pouco que lhes resta: a dignidade. Este cego é "Rei". Ele passou a vida "enxergando" pelos cheiros, pelos sons, pelo tato. Ele sabe determinar quando algo é ou não de valor. Ele reconhece alguém pelo cheiro ou pelo som. Este cego enxerga.

E a "esposa do doutor"? Será que não desejava a cegueira? Será que queria ver as pessoas se transformarem em monstros, por comida? Vê-las perder a dignidade? Ver a feiúra do ser humano, tanto fisicamente quanto metaforicamente? Ela não foi "Rei". Não queria ser, até precisar. Ela enxergava, mas de uma certa forma, era cega. Submissa e generosa. Liderou o grupo, aprendeu a conviver, a aceitar e a adaptar-se. Acostumou-se. Mas precisou matar e ameaçar para sobreviver com sua dignidade. E quando percebeu que a cegueira poderia ser reversível? Ficou feliz?

A sensação é de incerteza. De incapacidade e impotência. De caos e horror. "Deus converteu São Paulo através da cegueira. (...) Essa cegueira não é coisa de Deus." Irônico? O caos até poderia ser obra de Deus. Mas nossas atitudes são nossas escolhas.

Estamos cegos?

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Filmes do mês - setembro

São atualizados no decorrer do mês.

7A-Um condenado à morte escapou de Robert Bresson 1956 (2)
6A- Salve o cinema de Mohsen Makhmalbaf (trechos) 1995 (2)
5C-Ensaio sobre a cegueira de Fernando Meirelles 2008 (5)
4T-Escritores da liberdade de Richard LaGravenese 2007 (3)
3D-Meu nome é Taylor, Drillbit Taylor de Steven Brill 2008 (0)
2D-Vestida para casar de Anne Fletcher 2008 (1)
1C-Amar...não tem preço de Pierre Salvadori 2006 (2)
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Organização: Ordem crescente - em números. Nome do filme + diretor + ano.
Códigos: A (em aula); C (cinema); D (dvd próprio ou locadora); P (pirata ou baixado); T (tv)

Notas: (0) horrível; (1) ruim; (2) razoável; (3) bom; (4) muito bom; (5) excelente

*Revistos

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

“Através das Oliveiras” de Abbas Kiarostami 1994

por Alessandra Collaço da Silva

É um filme sobre pessoas fazendo um filme e suas relações entre si, contendo uma particularidade que até então eu não conhecia: uma ficção com certo ar de documentário. Como assim? Sabemos que é uma ficção (sabemos?), mas em muitos momentos parece-nos um documentário. Personagens fictícios interagem com “personagens” que nos parecem reais, que lidam com a câmera representando a si mesmos.

A cultura presente no filme, diferente da que conhecemos, torna-se um novo personagem, ou pelo menos algo que se destaca constantemente. Não há como mergulhar na narrativa sem repararmos na estética do filme, nos cenários, nos diálogos entre os personagens e na forma como transmitem as emoções e lidam com a própria cultura. A personagem que faz a produtora, assim como todas as mulheres presentes, utilizam seu “véu”. As emoções são manifestadas apenas pela fala, mas não pelas expressões. A câmera passeia no cenário, como se indiretamente o realizador quisesse nos dizer “Olhem! Esta é nossa forma de fazer cinema. Diante destas situações e deste cenário”. É uma narrativa lenta e repetitiva que parece acontecer muito mais nos diálogos que nas ações. É algo muito diferente do que estamos acostumados a assistir.

Os personagens parecem ter o perfil psicológico e físico dos próprios atores que os interpretam, mas estão inseridos num contexto diferente e fictício, interagindo entre si. Muitas vezes a conversa parece real e espontânea, mas não há como dizer quem realmente está atuando ou está apenas interpretando “a si” mesmo.

Na primeira cena do filme, o personagem do diretor fala diretamente com a câmera e explica o que está fazendo. Em seguida, interage com atrizes, figurantes ou personagens reais, que não sabemos ao certo quem é o que, e não volta a se dirigir à câmera, mantendo-se assim até o fim. Uma parte da conversa chama a atenção, quando as moças questionam “Se não podemos ver, porque fazer?”, mas ele explica que o importante não é ver, mas sim fazer. É tudo que importa. (proposital?)

Após esta cena, um longo plano se estende, constituindo a primeira seqüência. A personagem da produtora está no carro conversando com alguém. Temos uma espécie de subjetiva do carro, que nos mostra todo o cenário percorrido, mas também a “presença ausente” dos personagens, através do diálogo. Não os vemos, mas podemos “escutá-los”.

Nesta mesma seqüência, a produtora discute com uma moça sobre o que ela precisa vestir na filmagem. Na história, durante toda realização o filme, a maioria dos atores não segue o que a equipe ordena, mas quase sempre a situação é contornada para que o filme possa acontecer. Os personagens atores não são profissionais, mas pessoas comuns dispostas a participar do projeto proposto. Muito do que lhes pertence como pessoa é incorporada ao personagem, possivelmente para facilitar o trabalho da equipe. É nesta confusão que as gravações acontecem, que descobrimos um pouco sobre suas vidas e da relação que tem entre si.

O filme em si parece uma grande reflexão sobre fazer filme, não qualquer filme, mas fazer um filme inserido naquela cultura, naquele contexto e nas situações difíceis em que se encontram os realizadores. Na dificuldade de moldar os atores a seu modo e na inevitável situação de adaptar-se às limitações encontradas. Tudo isto é possível ser notado na própria estética do filme, na narrativa e no nosso questionamento sobre a atuação dos atores. Talvez seja algo intuitivo, mas algo me diz que muitos “atores” estavam apenas sendo eles mesmos. Então a pergunta: Ficção ou documentário? Algo dos dois? Nenhum? O que exatamente é este filme?

sábado, 23 de agosto de 2008

Filmes do mês - agosto

Isso que dá ficar doente por uma semana! hehe
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São atualizados no decorrer do mês.

22T- Redentor de Cláudio Torres 2004 (1)
21A-Através das oliveiras de Abbas Kiarostami 1994 (1)
20T-Um beijo a mais de Tony Goldwyn 2006 (5)
19D-Requiém para um sonho de Darren Aronofsky 2000 (3)
18D-Tropa de elite de José Padilha 2007 (3)*
17T-Herbie - meu fusca turbinado de Angela Robinson 2005 (1)
16T-Diário de uma Paixão de Nick Cassavetes 2004 (5)*
15P-A lenda do tesouro perdido 2 - O livro dos segredos de Jon Turteltaub 2008 (2)
14P-O vidente de Lee Tamahori 2007 (2)
13P-Jumper de Doug Liman 2007 (2)
12T-A lenda do tesouro perdido de Jon Turteltaub 2004 (3)*
11T-Linha mortal de Joel Schumacher 1990 (3)*
10P-O caçador de pipas de Marc Foster 2007 (2)
09A-Santiago de João Moreira Salles 2007 (3)
08C-A Múmia 3: A Tumba do Imperador Dragão de Rob Cohen 2008 (1)
07A-Os catadores e a catadora de Agnès Vardas 2000 (3)
06D-Saindo de uma fria de Christian Charles 2007 (1)
05D-Ela e os caras de Joe Nussbaum 2007 (1,5)
04C-Cinturão vermelho de David Mamet 2008 (-1)
03D-Licença para casar de Ken Kwapis 2007 (0)
02T-O dia depois de amanhã de Roland Emmerich 2004 (2)*
01C-Viagem ao centro da terra de Eric Brevig - 3D 2008 (2)
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Organização: Ordem crescente - em números. Nome do filme + diretor + ano.
Códigos: A (em aula); C (cinema); D (dvd próprio ou locadora); P (pirata ou baixado); T (tv)
Notas: (0) horrível; (1) ruim; (2) razoável; (3) bom; (4) muito bom; (5) excelente

*Revistos

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Charadas cinematográficas

Quem nunca brincou disso?

Charada: Era uma vez um cachorrinho chamado Tido. Um dia seu dono foi procurá-lo no seu cesto de dormir e ele não estava lá. Qual o nome do filme?

Resposta: O cesto sem Tido
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Charada: Uma mulher estava no último andar de um prédio alto, caiu de bunda no chão e morreu. Qual o nome do filme?

Resposta: A cusada de morte
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Charada: Dez garotos estavam no cinema comendo Mentos e começaram a jogar nas pessoas. Qual o nome do filme?

Resposta: Os dez manda Mentos
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Charada: Um tênis afundando no mar. Qual o nome do filme?
R: TitaNIKE.


Agora vamos a alguns inventados:

Charada: Gladys foi ao dentista arrancar alguns dentes. Qual o nome do filme?
R: Gladys e a dor

Charada: A esposa perguntou ao marido, que havia perdido algo, o que ele estava fazendo. Qual o nome do filme?
R: Procurando né, mô?

Charada: Um grupo de caipiras se perdeu numa clínica de estética. Qual o nome do filme?
R: Perdidos no spa, sô

Quando vier mais, colocarei! =)

Os filmes de "Sensação"

Sabe aquela sensação de surpresa que se sente ao ver filmes como "Sexto sentido", "Os outros", "O orfanato", "O grande truque"?! Eu chamo de "sensação única", pois ela só existe na primeira vez que você vê o filme e jamais se repete (com o mesmo filme). Jamais!

Também é necessário não saber de nenhum segredo do filme antes de assistir, ou algo que sugira o que está por vir. Na verdade o ideal é nem saber nada do filme e não tentar adivinhar nada (por mais que seja difícil) ou a sensação não ocorrerá, porque o êxtase acaba sendo decifrado antes do momento ideal.

É por isso que não é qualquer filme que consegue ser um "filme de sensação". Existem filmes, de suspense por exemplo, que nos enrolam com mistério e uma história cabeluda, para no final criar uma lógica, antes inexistente, para explicar e justificar o filme e a história. Péssimo. O espectador se sente tapeado, porque tentou decifrar através de pistas e evidências, mas jamais conseguiria adivinhar porque a explicação vem do "além" e dos "bastidores" do filme, ou seja, só no final realmente poderia ser revelado.

Acredito que a grande sacada dos melhores "filmes de sensação" é ser tão bem planejado e bem feito, que o espectador quando não está entretetido, concentrado e compenetrado na história, até tenta decifrar e adivinhar o que está por vir, mas erra ou não consegue, e por isso ao final sente aquele orgasmo cinematográfico "Ahhhhhhhhh" de quem pensa "Poxa, estava na minha cara, mas eu não percebi que era isso!". Há alguns que até adivinham. Normal. Mas perdem a chance de sentir aquela sensação única de descoberta e deslumbramento momentâneo. Sim, porque depois se desliga a tv, troca o canal, sai do cinema e vai comer, etc. (Como sorrir, relaxar, virar e dormir!) hehe

Eu detesto os filmes fracos, onde adivinhamos sua história já na metade, sem muitos esforços. E detesto os filmes que nos enrolam. O universo cinematográfico está cheio destes. Mas a-m-o os filmes de "sensação". Porque ele nos dá as pistas, mas é omisso, traiçoeiro. Ele foca outros elementos narrativos para nos confundir e desviar a atenção do foco principal. Por isso precisamos checar, re-assistir para observar o que passou despercebido (propositalmente), mas jamais teremos aquela sensação única novamente, no máximo uma saudade do que sentimos naquela pela primeira vez.

Com este assunto, listo aqui alguns dos filmes de sensação que marcaram minha trajetória como espectadora! Listo os que me vem na cabeça, alguns que re-assisti recentemente e por ordem crescente de favoritos.

01- Vidas em jogo de David Fincher 1997 (múltiplos) Nota: 5
02- Bem me quer, mal me quer de Laetitia Colombani 2002 Nota: 5
03- O orfanato de Juan Antonio Bayona 2007 Nota: 5
04- O sexto sentido de M. Night Shyamalan 1999 Nota: 5
05- Os outros de Alejandro Amenábar 2001 Nota: 5
06- As duas faces de um crime de Gregory Hoblit 1996 Nota: 5
07- A vida de David Gale de Alan Parker 2003 Nota: 4
08- A vila de M. Night Shyamalan 2004 Nota: 4
09- O grande truque de Christopher Nolan 2006 Nota: 3
10- Clube da luta, Seven - os sete pecados capitais.... Nota: 2

Obs.: As notas neste caso estão associadas ao nível de surpresa. Valem do 5 ao 0.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

“Batman – O cavaleiro das trevas” de Jonathan Nolan 2008

por Alessandra Collaço da Silva
para Revista Punctum - Curso de Cinema UFSC

“Batman” pode ser analisado a partir das teorias da psicanálise, principalmente de Carl Gustav Jung, concentrando-se no desenvolvimento da psicose e neurose, manifestadas por personagens do filme.
Psicose e neurose são manifestações do inconsciente humano, quando em situação limite. Cada ser humano manifesta somente uma delas e não está ao seu alcance saber qual delas lhe pertence até que viva a experiência. Somente numa situação limite poderá saber como seu inconsciente se manifestará. A psicose é irreversível e é fruto de um insconsciente reprimido, característica dos doentes mentais de situações irreversíveis. Já a neurose é uma manifestação também de um inconsciente reprimido, porém o sujeito retoma consciência sozinho ou quando em tratamento.
Para entender melhor, é importante lembrar que o conceito de individuação para Jung é o conflito entre duas naturezas fundamentais, no caso, da consciência e inconsciência. Ou seja, o conflito é importante para busca do equilíbrio, porém nenhum pode reprimir o outro, pois quando o ser humano é colocado no seu limite, descobrirá algo antes completamente desconhecido de sua consciência.
O personagem Coringa já se apresenta num estágio de psicose manifestada. Em algum momento da sua vida foi colocado ao limite. A origem da sua cicatriz é narrada ironicamente em diversas versões, deixando indícios da possível situação limite. Ou seja, algo o motivou a reprimir a consciência. Então a sua inconsciência manifestou-se através da psicose, tornando-se desequilibrado e inconseqüente. Para os padrões da nossa sociedade ele é julgado como um doente mental, um louco, ou até um agente do “mal”.
Para Coringa não há limites e seu verdadeiro interesse não é destruir o Batman ou a imagem de bom moço do Promotor de Justiça Harvey Dent, mas colocar a população da cidade, incluindo os dois supostos heróis, em situações limite e observar como cada um manifestará seu lado mais obscuro e secreto: seu inconsciente. Em vários momentos do filme, Coringa apronta armadilhas para provocar o medo e conseqüentemente o caos. A mais interessante é a cena em que dois barcos tentam fugir de Gotham City: um com presidiários e policiais, e outro com pessoas comuns. Um dos “barcos” precisa escolher quem merece viver, pois cada um possui o controle de detonação do barco oposto. Aqui temos diversas manifestações e julgamentos equivocados, onde os “comuns” julgam-se mais merecedores de viver e onde um dos presidiários diz para um policial “Você é incapaz de tirar uma vida inocente, mas também não quer morrer”. O espectador sente-se incomodado, tenta refletir sobre o que faria em determinada situação, mas é incapaz de escolher conscientemente, porque não se encontra verdadeiramente nesta situação limite. Por isso o filme é tão incômodo ou tão instigante para alguns.
Além desta, Coringa prega uma armadilha para o promotor Harvey Dent e o herói Batman. Os dois sofrerão a mesma situação limite: a perda da mulher amada. E cada um reage de forma diferente. Enquanto Batman escolhe salvá-la, acaba salvando o promotor. Este o culpa por não ter escolhido salvá-la, desconhecendo a verdade dos fatos. Se soubesse, faria diferença em suas atitudes?
Os dois sofrem, os dois chegam ao limite, mas Batman consegue retomar o equilíbrio, no máximo culpando a si mesmo pelo acontecido, porém não sabe que sua amada já não o amava mais, pois o mordomo fiel destruiu a carta que ela lhe escreveu. Novamente: se soubesse, faria diferença em suas atitudes?
Já o mais exemplar membro da sociedade, um ícone do bem, aquele que busca Justiça, não consegue superar seu sofrimento e entrega-se a psicose, que em alguns momentos deixou vestígios, como no interrogatório que fez, utilizando o método de roleta russa. Harvey Dent torna-se então o Duas caras, que é o sujeito que reprimia seu inconsciente, mesmo sendo um agente a favor da Justiça. Quando colocado em situação limite, manifestou a mais obscura das suas naturezas: a vingança do mal causado para si.
Batman não permitirá que a sociedade saiba disso, pois o caos provocará desesperança e como Batman se culpa pelo acontecido, assume o lugar de culpado. Temos então “o cavaleiro das trevas”, aquele que assume a culpa, dentro de sua própria neurose e o cavaleiro das trevas que torna-se um psicótico e decide se tornar vingador de sua própria causa.

“Os catadores e a catadora” (Les Glaneurs et la Glaneuse) de Agnès Vardas 2000

por Alessandra Collaço da Silva

“Catar” é a busca pelo que sobrou das colheitas, mas também é a busca por outras sobras. Sobras das feiras, do lixo, dos restos das pessoas. Daquilo que ninguém mais quer, mas que pode ser aproveitado por aqueles que não tem a escolha de querer ou por aqueles que enxergam possibilidades além das que lhe são impostas.

Nem sempre o resto é totalmente descartável. Ele pode ser reaproveitado, reciclado, reutilizado, revisto. Pode se tornar outra coisa, pode ser inovador. E é o catador(a) quem pode criar um novo destino para aquilo que foi descartado.

Conceitos, visões, pensamentos, reflexões, representações, manifestações artísticas. Agnes, além de realizadora, é também uma catadora conceitual.

Talvez como ponto de partida ou como reflexão, o documentário de Agnes ruma a algo além do tema sugerido ou da história e/ou intenção em si. A interação da realizadora com o tema, a narração das suas escolhas e das suas observações, sobrepõem-se sobre o conteúdo. Agnes nos narra o que vê, o que sente, e o que pretende. É uma relação além do que intenciona documentar. É a sua descoberta da câmera e a tentativa de torná-la seu olhar, ou apenas um olhar. Mesmo desconhecendo as limitações do equipamento, tenta registrar algo além do que vê: aquilo que sente em relação ao objeto.

Agnes às vezes nos parece ingênua, mas sua pele enrugada, sua noção de tempo passado, sua aceitação interagem com suas descobertas, e o desconhecimento diante de algo novo torna-se deslumbramento.

A câmera até funcionaria como o olho humano, mas não possui um cérebro que possa codificar e decodificar mensagens, significações, pensamentos, intenções. Ela apenas mostra o que os olhos vêem, mas a identificação ocorre de outra maneira, e Agnes tenta transmitir algo além de sua própria compreensão. Tenta de alguma forma nos envolver, nos explicar, mas nós, espectadores, estamos limitados às imagens, e apenas traçamos uma relação da realizadora com aquilo que ela tenta nos contar. Descobrimos uma relação da realizadora com o objeto narrado. É nessa relação que o filme acontece. O filme não é apenas de catadores e catadoras com suas experiências e reflexões, mas é um filme sobre Agnes e sua relação com as coisas e pessoas. É um documentário sobre alguém que tenta documentar algo. É um documentário sobre uma catadora de imagens, de conceitos, de descobertas, porque catar também é descobrir uma nova utilidade para aquilo que parecia inútil.

"Santiago" 2007 de João Moreira Salles

por Alessandra Collaço da Silva

Santiago foi um empregado da família de João Moreira Salles. Sendo um mordomo fiel, uma pessoa tão peculiar, instigou o cineasta a fazer um documentário sobre sua vida e seu universo tão particular.

Primeiramente Salles nos narra como imaginava começar seu filme, afinal foi um projeto várias vezes interrompido e retomado anos mais tarde. Mostra três fotos e o significado para si de cada uma delas, como a cadeira solitária na varanda e a fachada da casa em que viveu. Depois nos mostra as dificuldades, as imagens que fez para ilustrar as histórias do ex-mordomo, a edição das supostas nove horas de material filmado de Santiago na frente das câmeras e também as peculiaridades do mesmo.

Ao meu ver, “Santiago” não é um filme sobre Santiago, mas sobre um garoto que se deslumbrava com seu mordomo e resolveu lhe prestar uma homenagem. Não falou do pai, da mãe, ou do irmãos, mas do seu empregado, que provavelmente lhe preencheu boa parte da vida e o acolheu em diversos momentos solitários. Dentre tantas pessoas em sua vida, porque falar sobre Santiago?

Santiago me pareceu aquela pessoa que era feliz com o que tinha, com o que era. Aceitava a vida e tirava proveito dela como podia. Pareceu um alguém solitário e submisso, que resolveu preencher grande parte da sua trajetória, registrando em anotações a vida de nobres, curiosidades e o que sentia em relação a tudo aquilo. Foi um escritor, talvez silencioso, secreto, mas de certa forma, talentoso.

Apesar das particularidades de Santiago, da excelente fotografia e dos demais elementos técnicos que tornam o filme muito bem feito esteticamente, o filme me transmite um certo vazio, um certo egocentrismo, de alguém que se colocou indiretamente (ou não) num lugar superior para falar da vida de outro. Santiago, que era submisso, talvez aceitou com alegria ser retratado, mas sabia ele que manteriam na edição seus momentos espontâneos? Os momentos em que erra e uma voz-off pede-lhe para repetir, ou a mesma voz, que conduz a história, pergunta, questiona, tornando-o um mero objeto da narrativa, um fantoche para uma obra tão egocêntrica? Santiago é conduzido, interrompido, controlado, como a um empregado, mesmo não o sendo mais.

Salles não conseguiu se desprender do papel que cumpria na vida de Santiago e continuou a tratá-lo como aquele que pode moldar às suas vontades. Se fez de propósito? Talvez. Quem sabe Salles não queria mostrar um pouco de si mesmo, através de Santiago, usando-o como um objeto? Quem sabe não tenha pensado: “Sobre o que eu poderia fazer um documentário? Resposta: Minha vida”. “Que parte da minha vida seria interessante? Resposta: A parte em que Santiago, o mordomo da casa, fez parte”. Mas para nós espectadores o foco permaneceu em Salles e na sua tentativa de resgatar algo do passado, ou homenagear alguém que de certa forma foi especial para si mesmo unicamente. Não é à toa que a casa, os cômodos, e a narração das lembranças permanecem como objetos da narrativa, assim como Santiago. Mesmo que esta não tenha sido a intenção. Santiago é retratado sempre na cozinha, na sua pequena sala entre suas volumosas anotações, ou sendo conduzido, questionado. Se as partes espontâneas que aparecem, tinham este propósito, no momento em que ouvimos a equipe o conduzindo, ela se torna planejada, pensada, objetiva, independente de qual fosse sua intenção.
Enfim, se a intenção era mostrar apenas Santiago, isto poderia ter sido feito sem associar o sujeito principal abordado do seu realizador, também sujeito da história. A partir do momento que existiu esse vínculo maior, Santiago tornou-se um mero objeto da narrativa que Salles se propôs a fazer. Uma história fragmentada, onde as partes que lhe interessam são destacadas e onde Santiago nem pôde prestigiar, pois morreu antes do projeto ser finalizado.

sábado, 26 de julho de 2008

Esgotamento mental

Oi pessoal (ou não-pessoal)!
Apesar de estarmos no mês de julho, suposto mês das férias, comecei num novo emprego: edição de audiovisuais numa produtora de vídeo. São 6 horas, mas entro e saio editando, ou pelo menos pensando em soluções, pesquisando trilhas, fazendo ajustes ou estudando outros materiais audiovisuais.
Pode não ser diretamente associado ao cinema, mas aplico muito conhecimento teórico e estético adquirido com a experiência pessoal e acadêmica tanto em cinema como em design.
É um trabalho que abrange eventos em geral, como aniversários infantis, adolescentes (15 anos), casamentos, programas de televisão e alguns projetos individuais.
O trabalho de edição requer concentração, criação, técnica, solução, pesquisa, iniciativa, ajustes, aperfeiçoamento, efeitos, prática. É cansativo, mas prazeroso!
Ganha-se de uma forma, perde-se de outra. Digo isto porque conseqüentemente influenciou minhas escolhas recentes de filmes. O trabalho exige muito da mente e até do corpo e por isso causa um certo esgotamento mental.
Quando chego em casa (férias?), só tenho vontade de ver aquilo que não cansará ainda mais minha mente, pois um filme mais profundo, filósofico, poético, alternativo remete a reflexão, concentração ou exige um esforço mental maior para algum tipo de compreensão ou entendimento.
Ou seja, tenho optado por filmes "comerciais": filmes de entretenimento, filmes de massa, sucessos de bilheteria, lançamentos recentes, programação do cinema local. Aqueles que se propõem a no mínimo entreter.
São filmes que não exigem muito da mente, mas nos arrancam boas risadas, algumas lágrimas, raras reflexões, certos vazios...mas relaxam, divertem, comovem, e servem de razão para um programa coletivo de múltiplos gostos. Afinal não somos perfeitos e iguais, certo?!
Talvez não seja um cinema exemplar, aina mais para um acadêmico de cinema, mas admito: fico na torcida, porque na vida precisamos de algumas "fugas saudáveis".
Manifesto a favor do cinema comercial? Não tanto, mas acredito que há lugar para todas as manifestações audiovisuais.
Apelando para um romantismo superficial:
Que nossa vida não seja completada apenas por um cinema conceitual e profundo...
Que existam filmes tolos, românticos, engraçados, que possam nos entreter e descansar nossas mentes, quando tudo que precisamos é fugir um pouco de nós mesmos e das nossas metas, determinações, crenças e valores...mesmo que seja por apenas 2 horas! =)

Filmes do mês - julho

Atualizando no decorrer do mês, na ordem em que assisto.

-Um crime de mestre de Gregory Hoblit 2007 (2)
-O suspeito de Gavin Hood 2007 (2)
-Loucas por amor, viciadas em dinheiro de Callie Khouri 2008 (2)
-Eu os declaro marido...e Larry de Dennis Dugan 2007 (2)
-Hitch, conselheiro amoroso de Andy Tennant 2005 (3)*
-Batman - O cavaleiro das trevas de Jonathan Nolan 2008 (5)
-O diabo veste Prada de David Frankel 2006 (5)*
-Kung fu panda de Peter Berg 2008 (5)
-Hancock de Peter Berg 2008 (1)
-Wall-e de Andrew Stanton 2008 (5)

(0) horrível; (1) ruim; (2) razoável; (3) bom; (4) muito bom; (5) excelente*Revistos

domingo, 20 de julho de 2008

"Batman - O cavaleiro das trevas" de Jonathan Nolan 2008

Sinopse? A origem do cavaleiro das trevas, que poderia se referir ao Batman, o herói incomprendido, humano e imperfeito; como ao promotor Harvey Dent, o "Duas-caras", que é a prova de que algo bom, colocado ao limite pode se tornar o extremo oposto. Ou seja, o Coringa "vence", provando que "mesmo alguém tão bom pode ser corrompido".
Dentre tantas pessoas, qual poderia se tornar o pior inimigo? Aquele que já foi o "melhor amigo", o melhor exemplo, o extremo oposto do mal, pois aquilo que já foi "o melhor" é o único candidato a se tornar "o pior".
Coringa, o verdadeiro "grande" personagem do filme: a materialização do que existe de mais profundo no interior humano, onde encontra-se o limite entre a consciência e a inconsciência. Ele é insano, louco, "um cachorro tolo correndo atrás dos carros", o perturbador da ordem humana. Desordem esta causadora do caos total. "Nada que venha dele é tão simples".
O filme causa um grande mal estar e vai além de um mero filme de ação. Talvez por isso não agrade aqueles que procuram apenas entretenimento e ação do início ao fim.
Mais do que uma mensagem "bonitinha", ele nos lança a reflexão do interior humano, daquilo que se origina de uma natureza desconhecida, dos profundos sentimentos incontroláveis e da relatividade das coisas.
A questão não é se identificar com algo ou alguém, mas reconhecer ambos os extremos dentro de nós. Se o Coringa é tão cruel, como podemos rir diante de suas piadas? Rimos de nós mesmos, do ridículo em nós, que reconhecemos nos outros, mas também sentimos raiva dele, da personificação do pior em nós. Na verdade somos Coringa e Batman, somos Duas-Caras, somos todos estes personagens e nosso riso é nervoso, nosso olhar é atento e nosso corpo tenso.
Quando o Coringa dialoga com vários personagens, diz que o medo estabelece o caos. E o que é o medo, se não algo fora do planejado? Algo imprevísivel e incontrolável? O medo domina as atitudes conscientes humanas e manifesta um lado adormecido ou calado, que até então não parecia se mostrar.
O mal vence no final? Não... a vida, o mundo real não se divide tão simplesmente entre o bem e o mal. O conflito é interno, diário e eterno. A individuação de Jung é o conflito de duas naturezas opostas e fundamentais, ou seja, é uma espécie de equílibrio que só existe através do conflito. Então a personificação do mal: Coringa; ou do Bem: Batman; ou do limite entre os dois: Duas-caras é apenas a representação da vida humana.
Este conflito existe dentro do ser humano e sempre existirá em busca de um equílibrio e nos cabe apenas fazer as escolhas diante do caos. Qual dos lados deixaremos emergir? É importante saber da existência dos dois, pois se algum é reprimido, manifesta-se violentamente de outra forma, como é o caso do promotor Dent.
Harvey Dent é símbolo de esperança para Gothan City, mas quando sente-se profundamente ameaçado (diante de sua própria vida e da vida de quem mais ama), manifesta agressividade. Batman reprime (o lado bom), pois muitas expectativas positivas giram ao seu redor, mas quando é colocado num limite extremo, a agressividade o domina e ele manifesta um lado adormecido, motivado pelo ódio e desesperança, ao invés de odiar Coringa, cede a ele. Torna-se um vingador, mas extrapola qualquer limite e vestígio de consciência ou bondade. Decide pela sorte ou seja, deixa-se levar e não controla mais seus atos ou pensamentos.
No desfecho, com a suposta morte de "Duas-caras", Batman e o comissário de polícia decidem então manter em segredo a verdade sobre Dent, pois uma cidade sem esperança é uma cidade caótica, desmotivada e desordeira, tudo que o ser humano, os "heróis" e o "ordem" presente não querem, por isso algum sacríficio é necessário, pois o equilibrio é necessariamente conflituoso.
Obs.: Desde que estudei C. G. Jung em Teorias do Sujeito no semestre passado, tento sempre buscar alguma profundidade nos personagens apresentados. Neste filme, a análise é rica e possível a partir de algumas das suas teorias que tratam de conceitos como individuação, insconsciente coletivo, etc.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

"Wall-e" de Andrew Stanton 2008

Impossível não se apaixonar por "Wall-e"!
É uma romântica animação sobre a história de amor que acontece entre dois robôs, contendo uma certa reflexão sobre o rumo do planeta e da vida humana.
Wall-e e Eva são de origens diferentes. Além de possuirem tecnologias distintas, ele cumpre o papel de reciclar o lixo, enquanto ela precisa encontrar vida na Terra.
O homem é representado de duas formas: como referência de alegria, energia, sentimento e vida, através do musical "Hello! Dolly" que preenche a solidão e o vazio das noites de Wall-e, dependente de energia solar. E através do sedentarismo e da alienação humana, presentes nas gerações que restaram do planeta.
Wall-e é um robo com sentimentos e manifestações humanas, pois apesar de possuir a tarefa de reciclar o lixo, ele reserva um espaço especial para objetos que despertam seu interesse, quebrando sua rotina mecânica. Já os humanos sobreviventes agem como verdadeiros robôs alienados e mecânicos, onde suas rotinas se resumem à alimentação e comunicação virtual, até que a desordem se estabeleça.
É uma linda e simpática história de amor entre dois robôs, que serão responsáveis pela possível recuperação do planeta, que não será mecânica e nem planejada, apenas uma tentativa baseada na esperança de quem ainda acredita que existe vida ou algo de valor, aonde não se acreditou mais existir.

"Encantada" de Kevin Lima 2007

A Walt Disney Pictures e seus parceiros propõem um novo conto de fadas: moderno, musical, mas em gigantescas proporções.
A história é de uma princesa sonhadora, que encontra seu príncipe encantado, mas é banida do seu mundo mágico por uma madrasta malvada. Até aí previsível.
O que me impressionou no filme foi a produção artística que movimentou inúmeros artistas, figurantes, dançarinos e técnicos para realização das cenas musicais. O que antes era comum só em desenho animado ou animações em C.G., agora já pode ser encontrado na tela com os moldes dos filmes musicais.
"Encantada" é um filme bobo, mágico e engraçadinho, mas trazido para o mundo moderno. "Se uma princesa encantada caísse no mundo real, como ela seria? O que aconteceria?"
Acontece que ela percebe que um dia não é mais suficiente para se conhecer o príncipe encantado, que o que importa é a intensidade do que se faz com o tempo, e que o príncipe que antes parecia ser seu par perfeito, pode na verdade não ser, e o inesperado se revelar como seu verdadeiro complemento.
É uma história divertida e engraçadinha de se ver. Talvez sirva apenas para relembrar a fantasia que já existiu em nossas cabecinhas infantis e sonhadoras há algum tempo atrás.

"O diabo veste Prada" de David Frankel 2006

Alguns filmes nos conquistam pelo carisma dos atores/atrizes que interpretam protagonistas, sejam diabólicas e sofisticadas chefes; ou inocentes mocinhas sonhadoras, profissionais recém-formadas.

Mas o que vale destacar do filme inteiro, é a fala de Miranda Priestly (imortal Meryl Streep), quando Andrea "Andy" Sachs (carismática Anne Hathaway) caçoa de dois cintos azuis que parecem iguais.

Num discurso inflamado e sem interrupção, Miranda descreve com classe e seriedade, como o trabalho que (eles) os profissionais da moda estão fazendo, influenciará qualquer peça encontrada em qualquer loja ou brechó, selecionados intencionalmente ou ao acaso, mesmo por quem acredita estar sendo contrário ao que eles pregam.

Então rir deles é como rir de si mesmo, mesmo em sua falsa e ilusória originalidade, pois de uma certa forma, todos são escravos, vítimas ou público-alvo, daqueles que decidem fazer parte de um mundo tão polêmico e hipócrita como o da moda.

Não que eu concorde totalmente, mas não tiro a razão. Nossas escolhas até podem ser originais, mas partem da decisão de outras, que possuem um certo poder nas mãos, direta ou indiretamente. E parece tolice citar Moda, mas este conceito é aplicável a todas as outras áreas artísticas. (e mais?) Reforçando a idéia de que algo ao mesmo tempo que é original, também pode ser adaptado. É uma questão de ponto de vista. É relativo, incompleto e cíclico.