segunda-feira, 18 de agosto de 2008

"Santiago" 2007 de João Moreira Salles

por Alessandra Collaço da Silva

Santiago foi um empregado da família de João Moreira Salles. Sendo um mordomo fiel, uma pessoa tão peculiar, instigou o cineasta a fazer um documentário sobre sua vida e seu universo tão particular.

Primeiramente Salles nos narra como imaginava começar seu filme, afinal foi um projeto várias vezes interrompido e retomado anos mais tarde. Mostra três fotos e o significado para si de cada uma delas, como a cadeira solitária na varanda e a fachada da casa em que viveu. Depois nos mostra as dificuldades, as imagens que fez para ilustrar as histórias do ex-mordomo, a edição das supostas nove horas de material filmado de Santiago na frente das câmeras e também as peculiaridades do mesmo.

Ao meu ver, “Santiago” não é um filme sobre Santiago, mas sobre um garoto que se deslumbrava com seu mordomo e resolveu lhe prestar uma homenagem. Não falou do pai, da mãe, ou do irmãos, mas do seu empregado, que provavelmente lhe preencheu boa parte da vida e o acolheu em diversos momentos solitários. Dentre tantas pessoas em sua vida, porque falar sobre Santiago?

Santiago me pareceu aquela pessoa que era feliz com o que tinha, com o que era. Aceitava a vida e tirava proveito dela como podia. Pareceu um alguém solitário e submisso, que resolveu preencher grande parte da sua trajetória, registrando em anotações a vida de nobres, curiosidades e o que sentia em relação a tudo aquilo. Foi um escritor, talvez silencioso, secreto, mas de certa forma, talentoso.

Apesar das particularidades de Santiago, da excelente fotografia e dos demais elementos técnicos que tornam o filme muito bem feito esteticamente, o filme me transmite um certo vazio, um certo egocentrismo, de alguém que se colocou indiretamente (ou não) num lugar superior para falar da vida de outro. Santiago, que era submisso, talvez aceitou com alegria ser retratado, mas sabia ele que manteriam na edição seus momentos espontâneos? Os momentos em que erra e uma voz-off pede-lhe para repetir, ou a mesma voz, que conduz a história, pergunta, questiona, tornando-o um mero objeto da narrativa, um fantoche para uma obra tão egocêntrica? Santiago é conduzido, interrompido, controlado, como a um empregado, mesmo não o sendo mais.

Salles não conseguiu se desprender do papel que cumpria na vida de Santiago e continuou a tratá-lo como aquele que pode moldar às suas vontades. Se fez de propósito? Talvez. Quem sabe Salles não queria mostrar um pouco de si mesmo, através de Santiago, usando-o como um objeto? Quem sabe não tenha pensado: “Sobre o que eu poderia fazer um documentário? Resposta: Minha vida”. “Que parte da minha vida seria interessante? Resposta: A parte em que Santiago, o mordomo da casa, fez parte”. Mas para nós espectadores o foco permaneceu em Salles e na sua tentativa de resgatar algo do passado, ou homenagear alguém que de certa forma foi especial para si mesmo unicamente. Não é à toa que a casa, os cômodos, e a narração das lembranças permanecem como objetos da narrativa, assim como Santiago. Mesmo que esta não tenha sido a intenção. Santiago é retratado sempre na cozinha, na sua pequena sala entre suas volumosas anotações, ou sendo conduzido, questionado. Se as partes espontâneas que aparecem, tinham este propósito, no momento em que ouvimos a equipe o conduzindo, ela se torna planejada, pensada, objetiva, independente de qual fosse sua intenção.
Enfim, se a intenção era mostrar apenas Santiago, isto poderia ter sido feito sem associar o sujeito principal abordado do seu realizador, também sujeito da história. A partir do momento que existiu esse vínculo maior, Santiago tornou-se um mero objeto da narrativa que Salles se propôs a fazer. Uma história fragmentada, onde as partes que lhe interessam são destacadas e onde Santiago nem pôde prestigiar, pois morreu antes do projeto ser finalizado.

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