segunda-feira, 29 de setembro de 2008

“Um condenado à morte escapou” de Robert Bressom 1956

por Alessandra Collaço da Silva

O título resume o filme. É isso. E o personagem descreve suas ações. Nada surpreendente, completamente óbvio.

O foco é o prisioneiro. A imagem limita seu próprio espaço, como ao espaço limitado de uma cela. A câmera está sempre muito próxima, sufocante. Imagens em plano-detalhe quando ele “cava”, ou primeiro plano quando ele é mostrado. Agoniante. Apertado.

O prisioneiro narra o que sente e o que faz. E o filme trata de narrar suas relações com outros presos durante o “banho”. Não precisamos adivinhar nada. Está tudo ali, entregue. Mas só vemos aquilo que está ao alcance do personagem. A câmera está em função dele. Aquilo que ele não vê, também não vemos. Se algo externo acontece, é através dele que nos alcança, como os passos dos guardas na escada ou as batidas na parede. Só a “visão” dele, nada mais.

Apesar de óbvio, o tempo presente é narrado no passado. Não há nada para adivinhar. Mas a incerteza de sua escapatória nos prende. Ele conseguirá ou não fugir? Esperamos apenas pela confirmação, assim como seus companheiros. Então o filme nos prende até o fim, para sairmos sem qualquer surpresa, apenas a confirmação de um sim ou de um não.

O filme é monótono como a rotina da prisão. Os fades longos e pretos indicam passagem de tempo. Ou será que a sua camisa cada vez mais suja também tem essa função? Não sabemos. Pura especulação.

Quando seu plano de fuga começa a dar certo (ele separa as tábuas e sai da cela pela primeira vez), os enquadramentos ficam mais distantes. Indicando um fio de liberdade? Menor sensação de sufocamento? Já não é tão apertado. Temos alguns planos-americanos.

O personagem reflete se sua liberdade vale outras vidas. Ele dialoga com o companheiro da cela ao lado. A esperança do outro é que o motiva para fugir. Ele sabe que não conseguirá sozinho.
Para fugir precisa matar um policial. Pela primeira vez (até onde me lembro) seu ponto de vista não é mostrado. Mas sabemos que matou pelo corpo caído. Não sentimos raiva. Não sentimos nada. Desde o começo desejamos a liberdade, ou pelo menos esperamos por ela. Só pra ver o que acontece.

Porque não podemos ver seu pior lado? O lado assassino? Não devemos? Não queremos?

No fundo o que importa não é ele, mas a sensação de liberdade. Desde o começo estamos sufocados na cela e a liberdade do personagem nos dá a liberdade da imagem, de mostrar além daquilo que ele podia ver. Se ela custou uma vida? Passa batido. Não precisamos pensar nela.

Manifesto contra a verdade

(Salve o cinema de Mohsen Makhmalfab 1995)

de Alessandra Collaço da Silva


Imbecil. Eu pensei. Mas porquê? Imbecil. Não vi inteiro, mas trecho imbecil. Diretor imbecil, idéia imbecil, pessoas imbecis. Risos irritantes e imbecis. Mas porquê? Não sei dizer.


Não é um reality show. Não é, mas parece.


Eles não sabem. Aquelas pessoas iguais e desesperadas não sabem de nada. O diretor sabe. E elas só querem uma chance. De atuar? De ter 15 minutos de fama? De serem alguém?


Não. Nem sabem, mas querem uma chance de perpetuar. Não serem esquecidas. Não morrerem em morte. Porque só morre mesmo aquele que não vive na lembrança. Estar no vídeo é congelar o tempo. É de alguma forma congelar na imagem e quem sabe, sobreviver à própria morte. Todos ou muitos desejam isso. O pavor verdadeiro é ser esquecido, quase como nunca ter existido e “ser imagem” é perpetuar.


Para alguém, quem quer que seja, a imagem vive, às vezes para sempre. O diretor sabe disso e explora. Viola meus valores éticos que eu nem sabia que tinha. Mas tenho. Descobri.

Imbecil. Continuo achando. Mas de certa forma, importante ocorrer. Porque me irrita. Eu nego esse cinema, que é cinema, mas não o cinema que acredito e amo.


Aqueles rostos constrangidos, testados e induzidos a aceitar a humilhação. Ouço risos, frenéticos, intensos e eles me irritam. Não há graça, a menor que seja.


Eles não se importam de serem humilhados. Mas o diretor sabe. E isso me irrita profundamente. Tenho raiva das “vítimas”, como em qualquer reality show. Fodam-se. Quem mandou aceitar? Dar a cara a tapa? Se expor tão profundamente. Pro reality show eu não ligo, mas pro filme sim. Porque eu vejo seu idealizador. Ele se mostra, ele tem nome, ele é imagem. Tantas coisas e tenho que ver isso?


Não há tempo em vida que me permita ver todo cinema feito. Preciso escolher. O tempo corre. Porque desperdiçar com trechos tão desprezíveis? Eu sei. É importante. Por algum motivo é. Não sei qual. Mesmo assim me irrita.


Talvez a cultura. Todos aqueles panos e caras iguais. Todos tão sofridos e querendo ser diferente. Todos tão desesperados. Tenho pena, raiva, agonia, vergonha alheia. Não costumo ter, mas tenho. Tive.


Não quero ver. Não quero ver a verdade do mundo. Isso existe. É real. Isso é poder. Isso me enoja. Que ela exista longe de mim. Porque eu escolho não mostrá-la. Não quero. Quero mostrar verdades boas. Melhores. E talvez mentiras desejadas. Aquelas que podiam ser, mas por algum motivo não são. Por algum motivo...


Não desisto. Sou de fé e esperança. Acredito no melhor do ser humano. É o que vale a pena mostrar. Acreditar nos sonhos. Acreditar na magia do cinema.


Magia do cinema. É essa verdade-mentira que quero ver e contar.


domingo, 21 de setembro de 2008

"Ensaio sobre a cegueira" de Fernando Meirelles 2008

por Alessandra Collaço da Silva

"Ensaio sobre o 'Ensaio'"
Não li o livro. Nunca ouvi falar da história até duas semanas. Um casal dizia que havia detestado. Eu sabia da existência do filme na pré-produção e um pouco da sua repercussão no Brasil. Coisas do tipo: diretor brasileiro, atriz famosa, locação em São Paulo e blabláblá. Desafio: assistir e entender porque aquele casal não havia gostado. Fiquei sem uma boa resposta. Não é um filme qualquer, não conheço nada para compará-lo. É forte e chocante. É um filme de gosto difícil. Não esperem puro entretenimento, pois não terão.

A história em si já é muito interessante pelas possibilidades metafóricas que ela invoca. Uma cegueira branca, inexistente no mundo "real", cegueira como epidemia, contagiosa e caótica. Uma história sobre o caos estabelecido e as reações das pessoas diante do caos. Um horror. Apavorante. Agoniante.

O que mais me impressionou foram as escolhas técnicas. A fotografia, por exemplo. Uns enquadramentos estranhos e aparentemente mal feitos, mas extremamente importantes. A câmera, de uma certa forma, produzia a sua própria cegueira. Estabilizava num lugar qualquer, como o olhar de um cego, que nada enxerga. A câmera funcionava como um olhar vago, muitas vezes sem se entreter com nada, mas um "nada" que posteriormente nos remete a algo. Algo como o tempo decorrido, através da transformação das frutas na casa do "Doutor e esposa". Ou um trecho de rosto, um pedaço de braço, uma lágrima escorrendo.

"É como nadar em leite". Além da fotografia, a cor opaca do filme é bem trabalhada, ressaltando a claridade e o branco excessivo. Os próprios fades brancos usados na transição dos planos, durante a contaminação, remetem-nos a cegueira acontecendo nos personagens. Tudo branco, tudo cego, tudo tão claro e excessivo. Tudo tão caótico e incerto. Meirelles ou quem quer que seja, escolheu estabilizar a câmera em objetos, móveis, paisagens brancas e estouradas. Essa transição nos dá a idéia de "enquanto isso": enquanto um oftamologista fica cego, a criança também fica.

"Claridade excessiva". O branco, a cor opaca, a saturação, o contraste, o desfoque, as transições, etc., todas estas escolhas se tornam importantes pra condução da narrativa, pra história, pro filme, pra adaptação do livro de Saramago (que eu não li) e pra agoniante sensação de cegueira repentina e inexplicável. A imagem tão bem trabalhada, entre foco e desfoque torna-se parte da escolha de como contar uma história tão chocante, e peça fundamental pra sensação do espectador diante da epidêmica cegueira.

"Em terra de cego, quem tem um olho é rei! (ou quem é "cego" também.)" e "Dê poder ao homem que conhecerás teu cárater". Os personagens não tem nome, sua profissão não importa, nem sua vida passada, mas todos tem seus valores. Bons ou ruins.

Descobrimos entre os cegos contaminados, um cego de nascença. Um dos líderes da Ala 3. Ala que impõe suas vontades e tiram de outros, o pouco que lhes resta: a dignidade. Este cego é "Rei". Ele passou a vida "enxergando" pelos cheiros, pelos sons, pelo tato. Ele sabe determinar quando algo é ou não de valor. Ele reconhece alguém pelo cheiro ou pelo som. Este cego enxerga.

E a "esposa do doutor"? Será que não desejava a cegueira? Será que queria ver as pessoas se transformarem em monstros, por comida? Vê-las perder a dignidade? Ver a feiúra do ser humano, tanto fisicamente quanto metaforicamente? Ela não foi "Rei". Não queria ser, até precisar. Ela enxergava, mas de uma certa forma, era cega. Submissa e generosa. Liderou o grupo, aprendeu a conviver, a aceitar e a adaptar-se. Acostumou-se. Mas precisou matar e ameaçar para sobreviver com sua dignidade. E quando percebeu que a cegueira poderia ser reversível? Ficou feliz?

A sensação é de incerteza. De incapacidade e impotência. De caos e horror. "Deus converteu São Paulo através da cegueira. (...) Essa cegueira não é coisa de Deus." Irônico? O caos até poderia ser obra de Deus. Mas nossas atitudes são nossas escolhas.

Estamos cegos?

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Filmes do mês - setembro

São atualizados no decorrer do mês.

7A-Um condenado à morte escapou de Robert Bresson 1956 (2)
6A- Salve o cinema de Mohsen Makhmalbaf (trechos) 1995 (2)
5C-Ensaio sobre a cegueira de Fernando Meirelles 2008 (5)
4T-Escritores da liberdade de Richard LaGravenese 2007 (3)
3D-Meu nome é Taylor, Drillbit Taylor de Steven Brill 2008 (0)
2D-Vestida para casar de Anne Fletcher 2008 (1)
1C-Amar...não tem preço de Pierre Salvadori 2006 (2)
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Organização: Ordem crescente - em números. Nome do filme + diretor + ano.
Códigos: A (em aula); C (cinema); D (dvd próprio ou locadora); P (pirata ou baixado); T (tv)

Notas: (0) horrível; (1) ruim; (2) razoável; (3) bom; (4) muito bom; (5) excelente

*Revistos

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

“Através das Oliveiras” de Abbas Kiarostami 1994

por Alessandra Collaço da Silva

É um filme sobre pessoas fazendo um filme e suas relações entre si, contendo uma particularidade que até então eu não conhecia: uma ficção com certo ar de documentário. Como assim? Sabemos que é uma ficção (sabemos?), mas em muitos momentos parece-nos um documentário. Personagens fictícios interagem com “personagens” que nos parecem reais, que lidam com a câmera representando a si mesmos.

A cultura presente no filme, diferente da que conhecemos, torna-se um novo personagem, ou pelo menos algo que se destaca constantemente. Não há como mergulhar na narrativa sem repararmos na estética do filme, nos cenários, nos diálogos entre os personagens e na forma como transmitem as emoções e lidam com a própria cultura. A personagem que faz a produtora, assim como todas as mulheres presentes, utilizam seu “véu”. As emoções são manifestadas apenas pela fala, mas não pelas expressões. A câmera passeia no cenário, como se indiretamente o realizador quisesse nos dizer “Olhem! Esta é nossa forma de fazer cinema. Diante destas situações e deste cenário”. É uma narrativa lenta e repetitiva que parece acontecer muito mais nos diálogos que nas ações. É algo muito diferente do que estamos acostumados a assistir.

Os personagens parecem ter o perfil psicológico e físico dos próprios atores que os interpretam, mas estão inseridos num contexto diferente e fictício, interagindo entre si. Muitas vezes a conversa parece real e espontânea, mas não há como dizer quem realmente está atuando ou está apenas interpretando “a si” mesmo.

Na primeira cena do filme, o personagem do diretor fala diretamente com a câmera e explica o que está fazendo. Em seguida, interage com atrizes, figurantes ou personagens reais, que não sabemos ao certo quem é o que, e não volta a se dirigir à câmera, mantendo-se assim até o fim. Uma parte da conversa chama a atenção, quando as moças questionam “Se não podemos ver, porque fazer?”, mas ele explica que o importante não é ver, mas sim fazer. É tudo que importa. (proposital?)

Após esta cena, um longo plano se estende, constituindo a primeira seqüência. A personagem da produtora está no carro conversando com alguém. Temos uma espécie de subjetiva do carro, que nos mostra todo o cenário percorrido, mas também a “presença ausente” dos personagens, através do diálogo. Não os vemos, mas podemos “escutá-los”.

Nesta mesma seqüência, a produtora discute com uma moça sobre o que ela precisa vestir na filmagem. Na história, durante toda realização o filme, a maioria dos atores não segue o que a equipe ordena, mas quase sempre a situação é contornada para que o filme possa acontecer. Os personagens atores não são profissionais, mas pessoas comuns dispostas a participar do projeto proposto. Muito do que lhes pertence como pessoa é incorporada ao personagem, possivelmente para facilitar o trabalho da equipe. É nesta confusão que as gravações acontecem, que descobrimos um pouco sobre suas vidas e da relação que tem entre si.

O filme em si parece uma grande reflexão sobre fazer filme, não qualquer filme, mas fazer um filme inserido naquela cultura, naquele contexto e nas situações difíceis em que se encontram os realizadores. Na dificuldade de moldar os atores a seu modo e na inevitável situação de adaptar-se às limitações encontradas. Tudo isto é possível ser notado na própria estética do filme, na narrativa e no nosso questionamento sobre a atuação dos atores. Talvez seja algo intuitivo, mas algo me diz que muitos “atores” estavam apenas sendo eles mesmos. Então a pergunta: Ficção ou documentário? Algo dos dois? Nenhum? O que exatamente é este filme?