terça-feira, 2 de dezembro de 2008

“O rio” de Tsai Ming-liang 1997

por Alessandra Collaço da Silva

Um jovem aceita participar de um filme com a condição de entrar num rio poluído. Posteriormente é acometido por uma dor intensa no pescoço, que o acompanha durante toda a narrativa, sem encontrar solução em nenhuma das diversas alternativas buscadas.

Nesta linha central, entre reflexos e penumbras, destacam-se outros dois personagens: os pais de Hsiao-kang.

É na narração onisciente e distanciada que presenciamos fragmentos destas três vidas relacionadas entre si e alguns dos seus segredos e intimidades. Um pai homossexualmente reprimido, uma mãe insatisfeita sexualmente, que busca em outro homem um prazer pouco concedido. E um filho enlouquecido pela dor e desesperado por uma improvável cura. Três personagens num lar alagado por uma forte infiltração de água.

Um filme que têm planos que duram mais do que deveriam, causando frustração e uma leve sensação ilusória de dor no pescoço. Uma trajetória linear que aborda situações banais da vida e das relações estabelecidas. Nada muito grandioso ou diferente da realidade da nossa cultura, porém assistir e falar de filmes orientais é sempre um desafio, pois é impossível não me desapegar da cultura diferente, onde coisas comuns para eles, tornam-se dificuldades para mim. Exemplifico com as cenas de sauna, que além de serem pouco e raramente iluminadas, não me eram claras as verdadeiras significações: quartos de banho onde homens se encontram, trocam carícias e fazem sexo. Tendo dialogado com alguns outros espectadores, as incertezas se confirmaram certezas e só assim pude constatar aquilo que já havia supostamente ter entendido e não sabia ao certo.

Diante de algumas certezas, ouso dizer que o filme funciona com sugestões. Nada é explícito ou óbvio, apenas sugerido e deduzido. O diretor constrói em linguagem visual a trama de significações e trajetórias possíveis. Os diálogos não são óbvios e não há constatação de causalidade durante o filme, a não ser na piora de Hsiao-kang e no auge da narrativa: a monotonia da espera num quarto de hotel, que os leva ao encontro casual e sexual de pai e filho na sauna para homens.

Observei duas características fílmicas importantes: o abuso de enquadramentos com foco no reflexo do espelho, que reforça a idéia de voyerismo do próprio espectador, além da penumbra ou total escuridão usadas em todas as cenas de sexo dos personagens. Escuridão inclusive que remete a própria visão humana no escuro, que só aos poucos se acostuma e consegue enxergar algo mínimo.

Eu me arriscaria em dizer que o diretor fez estas escolhas pela discrição e vergonha, comuns da cultura oriental. Se não pelo o diretor, pelo menos pelos possíveis espectadores. A própria imagem do que indica um filme pornô, é focado nos gemidos de uma garota que tem seu peito beijado e é excitada com as mãos por cima da calcinha. Perto do que vemos de pornográfico por aqui (Brasil), seria apenas uma sugestão de filme erótico.

Essa escuridão também poderia funcionar como indício do ponto alto do filme: assim como o pai, secretamente Hsiao-kang procura prazer numa sauna para homens. Após relacionar-se com outro homem às escuras e adquirir intenso prazer, quando o ambiente é iluminado, um descobre o outro. Qual seria a vergonha maior? Ter descoberto a homossexualidade do outro ou descoberto que o prazer foi adquirido incestuosa e casualmente?

Se dois personagens são revelados, como ficaria a esposa e mãe após constatar ser mais uma vez infeliz, ainda sem saber o que fora revelado para nós? Ela também faz uma descoberta. Aquilo que tanto transbordava em seu lar, era causado por uma simples torneira aberta. Um rio de água que poderia ser evitado por um simples gesto: fechar a torneira. Assim como a torneira, pai e filho poderiam ter evitado tamanho mal-estar, se não precisassem ficar naquele quarto de hotel desnecessariamente, já que o tal “mestre” dispensou-os de seus serviços. Um gesto e atitude simples que não puderam evitar um “rio” de conseqüências.

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