quarta-feira, 22 de abril de 2009

"Cidade de Deus" de Fernando Meirelles 2002

"Cidade de Deus" retrata a violência urbana brasileira e um pouco do universo do tráfico de drogas e a relação dos personagens e suas motivações.

De um realismo fantástico, o filme nos apresenta personalidades marcantes em vários segmentos que envolvem o tráfico.

Por um lado temos os personagens da favela Cidade de Deus, que trilham caminhos opostos. E por outro, personagens que complementam suas relações e atitudes. Vou detalhar alguns deles.

Numa realidade cruel da miséria e da falta de perspectiva, Buscapé, um jovem morador da Cidade de Deus, trilha um caminho diferente do que o esperado. Até tenta se envolver com o crime organizado, por ser uma vida fácil, mas por uma construção de valores ou até por uma falta de coragem talvez, escolhe tentar levar uma vida normal. Estuda, faz estágio, apaixona-se, fuma maconha e contando com o acaso ou não, recebe uma oportunidade como fotógrafo, que o distancia de uma trajetória quase certa para jovens e crianças moradores do morro e inseridos no universo amendrontador do tráfico.

Meirelles opta então em tornar Buscapé o foco principal do filme e o usa como ponto de vista, como narrador, como um alguém que vive num ambiente do qual faz parte.

Não que ele tenha presenciado ou vivenciado tudo, mas morando na Cidade de Deus, não parece difícil deduzir ou saber tudo o que se passa aos arredores.

O filme nos apresenta uma estrutura esquemática do tráfico muito simples: uma boca de fumo, da onde a droga sai, é o trófeu de qualquer traficante. É ela que lhe dá poder e dinheiro. Para preservá-la como a um forte, é necessário ter comparsas que arriscam suas vidas por ela. É necessário ter armas para provocar o medo e o pânico, e se preciso, utilizá-las nas guerras de gangues. E para tudo isso é necessário ter dinheiro, mas se ele não vem com as drogas, tem que vir de algum lugar, e é exatamente isso que gera a violência urbana, que atinge todas as classes. Assalto a bancos, assalto a mão armada, no ônibus, tudo em função do dinheiro e do poder que ele pode dar para jovens sem perspectiva nenhuma de vida.

É essa noção de poder sobre as vidas humanas que os tornam tão cruéis e cegos. Zé pequeno perde acidentalmente o melhor amigo por vingança, Zé pequeno constrói o inimigo Mané galinha, por abusar do seu poder ou do poder de uma arma de fogo e de uma gangue que o apóia, estuprando a namorada e matando a família do Mané galinha. Tudo isso só comprova que violência gera violência e continuará gerando, até que se dê algum basta.

Além disso, a gangue, impõe seus próprios valores na favela. Cria regras próprias de sobrevivência e uma própria estrutura de governo, que favorece os menos favorecidos pela sociedade. Os moradores têm que segui-las ou são punidos e mortos sem piedade.

Sem respeitar qualquer lei ou padrões da sociedade, o tráfico é financiado pelos consumidores e pelos policiais corruptos que comercializam armas e drogas apreendidas. É um mercado ilegal paralelo aos outros mercados. Quase uma escala de progressão, semelhante ao universo humano de início e fim.

As gangues retratadas são apresentadas como exemplos do esquema. Algo que começou pequeno foi progredindo e se transformando. E o filme não exibe nem perspectiva de um final feliz, só mostra sua progressão e continuidade. Os pequenos promissores que matam "Zé Pequeno"são o maior exemplo disso.

Cidade de Deus não é nenhum relato surpreendente. É uma ficção que une tantas reportagens, programas e depoimentos sobre a violência urbana e o tráfico de drogas. Também não é um discurso da verdade, é uma construção de hipóteses, pois se ele se baseia em fatos reais, ele apenas apresenta hipóteses para construir uma história, um fato.

As atuações são tão realistas, que a câmera parece nem estar ali, mas sim o espectador. A afinidade dos atores com os personagens e com a câmera é tão grande, que parecem estar atuando como personagens de si mesmos.

É um filme documental, que registra mesmo em ficção, uma realidade triste, cruel e constante da vida de muitos brasileiros.

Não o tomarei como uma verdade, mas chega muito perto.

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