quarta-feira, 15 de abril de 2009

"Um homem com uma câmera" de Dziga Vertov 1929

Frenético! É um filme frenético e de palavras-chave: movimento, muito movimento, ciclo da vida, o cinema, o homem, o espectador, as engrenagens, a montagem, a simultaneidade, a continuidade, o cíclico, a sincronia.

Não há uma história, mas temos personagens: o homem e sua câmera que tudo registra; e as pessoas retratadas em seu cotidiano, em seu ciclo de vida, em sua natureza.

Vertov cria um bombardeio de imagens e brinca com esse tal "cinema-verdade".
Encontro vestígios de linguagem na idéia de "enquanto isso". Enquanto a cidade desperta, a mulher desperta, um homem dorme, alguém trabalha. Alguém nasce, alguém morre. Tudo parece acontecer ao mesmo tempo, talvez num mesmo dia, ou num mesmo instante.

A aparição do "homem e sua câmera" parece criar um distanciamento e aproximação ao mesmo tempo. "Olhe isso é a vida, olhe isso é cinema!". A câmera como um olho, que não é seletivo, é apenas instrumento do cérebro, da compreensão humana daquilo que presencia e visualiza. Quem dá o sentido somos nós.

As imagens são excessivas e densas, mas a vida real é densa e ágil. O tempo corre e Vertov brinca com o tempo. Ora acelera a imagem, ora retarda, e tudo em sincronia com uma melodia. Melodia fundamental, pois constrói o dinamismo das imagens, reforça o movimento, reforça a frenesia. Música frenética acompanhando um ritmo frenético de imagens.

Percebo 3 linhas de narratividade: as imagens, a presença da câmera inserida nos cenários e interferências. Essas interferências são imagens aleatórias inseridas em eventos narrados. Cartazes, engrenagens, espectador.

Apesar de não haver uma linha narrativa principal, uma história a ser contada, há um posicionamento, normal em qualquer registro, em qualquer documento. Há algo que possa ser extraído do filme, há algo que possa causar reflexão ou haver comunicação. Se fosse apenas um bombardeio insignificante, nosso repertório talvez não captasse nada, mas ele capta porque há algo a ser captado.

Vertov cria inúmeros constrastes nas imagens: o divórcio de um casal e o divórcio da imagem - imagem dividida; o nascimento e falecimento (bebê X funeral), as engrenagens mecânicas e as engrenagens naturais (máquina X queda d´gua); o lento e o acelerado (esportistas e espectadores).

As imagens possibilitam inúmeras associações. E o movimento contínuo é constante no filme, mesmo quando desacelera e recomeça.

O auge da reflexão do filme como cinema são as imagens congeladas, meras fotografias, e a personagem "montadora" ajustando-as, vemos então a imagem em movimento. Cinema em sua base é isso, "imagem em movimento". Cinema é frenético, é constante, é intenso, é o descongelar do tempo, é a continuidade da imagem, é a vida, mesmo que ainda representada. A presença do homem com sua câmera retrata isso, apenas representação. Há alguém por trás manipulando essas imagens, selecionando-as como num trabalho qualquer. Mãos que trabalham, mãos de manicures, operários, datilógrafas, telefonistas, embaladeiras, pianistas, mineiros, de montadores, de cinegrafistas. Mãos que tem vidas, que tem histórias, suas próprias histórias.

Vertov consegue criar através das sua construção de imagens toda a reflexão sobre a origem do cinema, todas suas transformações e possibilidades. Ele retrata o cotidiano dos Lumiere, a trucagem de Melies, a linguagem de Griffith, a montagem de Eisenstein, o experimental do cinema e um além que poderá chegar.

Não conheço nada parecido com Vertov. Um visionário talvez. Seu filme é único e pioneiro. É um registro da vida, um documento do cinema, do que é o cinema e de todas suas possibilidades.

O cinema é movimento. O cinema é Vertov.

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