quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

"Machete" de Robert Rodriguez 2010


O que é Machete, Jesus?!! Uma homenagem ao cinema trash, filmes de ação (divertidos) e estereótipos hollywoodianos?!!  Talvez um filme de puro entretenimento underground, estilo Tarantino, que diverte o público masculino e algumas garotas mais exigentes, com uma overdose de cenas de ação, sangue e apelo sexual!

Machete (Danny Trejo) protagoniza um anti-herói indestrutível (claro!), ex-agente federal e imigrante mexicano que se envolve numa trama política, onde o Senador John McLaughlin (Robert De Niro) com ajuda de seus aliados, precisa ser reeleger para impedir a entrada de mexicanos ilegais no país, e clandestinamente controlar uma cerca elétrica e tráfico de drogas no Texas. 

O curioso é o elenco eclético do filme, com grandes e 'pequenos' atores, e o protagonista ser um ator que 'sempre' fez papel de vilão em filmes de ação (tipo B). 

Obviamente é um filme para sentar na cadeira, assistir e se divertir bastante, já que Rodriguez avacalha com as possibilidades de verossimilhança e salva o herói de situações absurdas, com direito à carros assassinos, motos voadoras e corpos indestrutíveis.

Não é 'meu tipo' de filme! Mais desdenhei e desvie o olhar da tela, exibindo membros esquartejados e planos-detalhes nojentos, e pouco ri dos absurdos das cenas, mas para quem gosta do gênero, é uma palhaçada que recomendo!

"Os fantásticos livros voadores do Sr. Morris Lessmore" de William Joyce 2012


Impossível não falar um pouquinho deste curta-metragem de animação, vencedor do Oscar 2012 da categoria. Inicialmente (e curiosamente) concebido como um livro digital interativo para iPad, o curta homenageia a paixão pelos livros e o mundo mágico da leitura. (Foi um ano de muitas homenagens!)

Sem qualquer fala, as expressões do Sr. Morris Lessmore e seu simpático amigo livro (cabeça de ovo?) ajudam a construir uma história singela, de um homem apaixonado por livros que se perde num furacão. (Era Digital talvez?!) Lessmore então é conduzido a uma pequena biblioteca, onde os livros voam e interagem, já que tem vida própria e mágicas histórias para contar. 

Durante anos, Lessmore cuida destes livros e colore a vida de pessoas ao emprestá-los. Basta abrir um livro para rostinhos tristes se iluminarem e se encherem de cor, exatamente como nos sentimos (nós, apaixonados por livros)!! E é nesta convivência e relação amorosa com os pequenos voadores que ele escreve o livro da sua vida, antes de partir e destinar seu lugar a outro(a) apaixonado(a), que perpetuará a existência dos livros, enquanto for possível!

Esta belíssima fábula está disponível temporariamente no youtube aqui

Numa Era de esquecimentos e substituições tecnológicas, impossível não se emocionar com este nostálgico curta e refletir sobre o futuro dos livros! Seria a plataforma digital uma extensão dos livros voadores?!

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Mundo Estranho - Loucuras do Cinema


Já está nas bancas esta edição especial (Março 2012) da Revista Mundo Estranho!! Eles compilaram diversas reportagens super curiosas e bizarras sobre cinema. Recomendo!!

"Poesia" de Lee Chang-dong 2010


"Difícil não é escrever poesia, mas encontrá-la dentro de si!"

Este foi um dos filmes mais delicados que já vi, com uma linda fotografia e atuações bem naturais, inserido numa cultura oriental, curiosa e distante da nossa ocidental. "Poesia" é um filme sul-coreano, escrito e dirigido por Lee Chang-dong, protagonizado por Mija (Yun Jeong-hie), uma senhora de 66 anos, vaidosa, sagaz e observadora, que resolve aprender a escrever poesias, tarefa que considera difícil, quase impossível, ainda que aprecie e admire quem as escreve.


Mija trabalha como empregada-acompanhante de um senhor de idade com dificuldade de locomoção, e cuida do neto Lee Da-wit (Jongwook) de 16 anos. Sua maior alegria é poder 'alimentá-lo', ou seja, criá-lo, mesmo distante da filha. Não sabemos ao certo qual o passado de Mija, mas ainda que seja solitária, fale com a filha apenas por telefone, tenha um neto ingrato e se submeta aos trabalhos domésticos e cuidados de um velho rabugento, Mija parece sempre contente, plena e feliz!  

 
Impossível não lembrar da minha avó e seu caderninho de anotações e desenhos, onde inspirada, escreve pequenos textos, copia frases interessantes e rascunha figuras alegres. Assim como Mija, minha avó teve uma vida marcada por muito sofrimento, mas foi a 'poesia da vida' que a curou de uma depressão e devolveu seu espírito artista e vontade de viver.

Minha avó também é "meio poeta, gosta de flores e fala coisas 'esquisitas'". Mas essas esquisitices, em seu mundinho 'paralelo' ao meu, a tornam única e com uma sensibilidade aguçada. Mija é como minha avó, dócil, amortecida pelas dores da vida, guerreira e deslumbrada com as pequenas coisas.

 Desenho de Vó Teka                                                                   Mija em "Poesia"

Mas ainda que a vida pareça difícil, Mija encara tudo com o deslumbramento de uma criança e se aventura num curso de poesia, com a esperança de aprender a colocar em palavras a beleza que vê em tud, ou melhor, suas 'esquisitices'.

No primeiro dia,  o professor mostra uma maçã e pergunta 'quantas vezes 'vemos uma maçã?', 1 vez, 10 vezes, mil vezes?! 'Nenhuma', diz ele. Para escrever poesia é preciso ver, sentir, tocar, apalpar, reparar, cheirar, ouvir, morder, degustar a maçã. É preciso repará-la, e assim reparar o mundo a sua volta, as coisas mais banais e comuns. 

Fazer poesia é transformar algo banal em sentimento, em expressão, em emoção. É despertar o olhar sensível e encontrar dentro si as palavras que tentam definir este encontro.


Mija então volta pra casa e observa atentamente sua cozinha, e com o passar dos dias, observa as árvores, o canto dos pássaros, o rio, as pessoas, a vida a sua volta. Uma vizinha pergunta "O que você está olhando?!" "A árvore!" diz Mija. "Mas pra que você está olhando a árvore?!" 

E está é a sociedade em que vivemos, do 'praquê?!'. Era da funcionalidade, produtividade, da televisão, do celular, da (in)comunicação e (des)informação, do desprezo à sensibilidade, poesia e arte. "A poesia um dia irá acabar. São raros os que ainda se reúnem para apreciá-la." diz um membro do grupo de poesia. Seria mentira?! Seria o fim da arte?

                                                 Mija em "Poesia"                          Desenho de Vó Teka                                                         
Ao reparar profundamente no mundo a sua volta, Mija depara-se com a dura realidade de sua própria vida. Como uma flor, murcha ao descobrir que uma jovem garota, Agnes, se matou após abusos sexuais sofridos por um grupo de colegas da escola. O neto de Mija é um destes garotos. Os pais se reúnem e resolvem pagar uma quantia alta pelo silêncio da família da vítima. E diante de tanta beleza, Mija vê e sente sofrimento, dor, horror, nojo, desprezo, ingratidão, desespero, angústia. 

O belo sorriso de Mija se apaga. Tenta, em vão, salvar o neto, anulando-se e humilhando-se. O diagnóstico do mal de Alzheimer, e sua perda de memória, é o que menos a incomoda. Mija só consegue pensar em Agnes, garota inocente que morreu e teve sua vida precocemente interrompida pelo desespero e vergonha. 

Na tentativa de salvar o neto, Mija então se submete ao mesmo desespero, humilhação e dor de Agnes. Se submete ao mesmo sofrimento que Agnes vivenciou antes de morrer, sabendo que seu neto, tão amado, fez parte disso tudo.

 Desenho de Vó Teka                                                                   Mija em "Poesia"

Sobre flores, árvores, pássaros e dias ensolarados, Mija rascunha versos belos e desconexos, mas não consegue escrever poesia. Não consegue encontrar encaixe ou coerência. Não consegue dar unidade aos sentimentos aleatórios. Ela vê toda beleza ao seu redor, mas não consegue encontrá-la dentro de si. O mundo é tão belo por fora, mas com o passar dos dias, Mija, como uma maçã ou fruto qualquer, apodrece por dentro.

No último dia de aula, com a promessa dos alunos entregarem uma poesia, Mija, a única 'poeta', despede-se da vida, encontrando (e desencontrando) a si mesma com "A canção de Agnes".

domingo, 26 de fevereiro de 2012

OSCAR 2012 - Meus palpites!!!!

Não consegui ver nem a metade dos filmes selecionados, mas não custa dar uns palpites! hehehehe Com asterisco é chute (no escuro) total! =)

Vermelho - palpite
Laranja - vencedor!


MELHOR FILME
O Artista
Os Descendentes
Hugo
Meia Noite em Paris
Cavalo de Guerra
O Homem Que Mudou o Jogo
A Árvore da Vida
Histórias Cruzadas
Tão Forte e Tão Perto


MELHOR DIRETOR
Martin Scorsese, Hugo
Michel Hanazavicius, O Artista
Alexander Payne, Os Descendentes
Woody Allen, Meia Noite em Paris
Terrence Malick, A Árvore da Vida



MELHOR ATRIZ
Glenn Close (Albert Nobbs)
Viola Davis (Histórias Cruzadas)
Rooney Mara (Millennium)
Meryl Streep (A Dama de Ferro)
Michelle Williams (Sete Dias com Marilyn)


MELHOR ATOR
Demián Bichir (A Better Life)
George Clooney (Os Descendentes)
Jean Dujardin (O Artista)* OK
Gary Oldman (O Espião que Sabia Demais)
Bradd Pitt (O Homem Que Mudou o Jogo)


MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
Os Descendentes
Hugo
Tudo pelo Poder
O Homem Que Mudou o Jogo
O Espião que Sabia Demais


MELHOR ROTEIRO
O Artista
Missão Madrinha de Casamento
Margin Call
Meia Noite em Paris OK
A Separação


MELHOR ANIMAÇÃO
Um Gato em Paris*
Chico e Rita
Kung Fu Panda 2
O Gato de Botas
Rango


MELHOR EDIÇÃO
O Artista
Os Descendentes
Millennium: os Homens que Não Amavam as Mulheres
Hugo
O Homem Que Mudou o Jogo


MELHOR FOTOGRAFIA
Hugo
Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulhertes
A Árvore da Vida
Cavalo de Guerra
O Artista


MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Bullhead (Bélgica)
Monsieur Lazhar (Canadá)
A Separação (Irã)* OK
Footnote (Israel)
In Darkness (Polônia)


MELHOR ATOR COADJUVANTE
Kenneth Branagh (Sete Dias com Marilyn)
Jonah Hill (O Homem Que Mudou o Jogo)*
Nick Nolte (Warrior)
Christopher Plummer (Begginers)
Max von Sydow (Tão Forte e Tão Perto)


MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Bérénice Bejo (O Artista)
Jessica Chastain (Histórias Cruzadas)
Melissa McCarthy (Missão Madrinha de Casamento)
Janet McTeer (Albert Nobbs)
Octavia Spencer (Histórias Cruzadas)* OK


MELHOR TRILHA SONORA
A Aventuras de Tintim (John Williams)
O Artista (Ludovic Bource)
Hugo (Howard Shore)
O Espião que Sabia Demais (Alberto Iglesias)
Cavalo de Guerra (John Williams)


MELHOR CANÇÃO
“Man or Muppet” (Os Muppets)
“Real in Rio” (Rio)


MELHORES EFEITOS VISUAIS
Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2
Hugo OK
Gigantes de Aço
Planeta dos Macacos: A Origem
Transformers 3


MELHOR EDIÇÃO DE SOM
Drive
Millennium: os Homens que Não Amavam as Mulheres
Hugo OK
Transformers 3
Cavalo de Guerra


MELHOR MIXAGEM DE SOM
O Homem Que Mudou o Jogo
Millennium: os Homens que Não Amavam as Mulheres
Hugo OK
Transformers 3
Cavalo de Guerra


MELHOR DIREÇÃO DE ARTE
O Artista
Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2
Hugo OK
Cavalo de Guerra
Meia Noite em Paris


MELHOR FIGURINO
Anonymous
O Artista
Hugo
Jane Eyre
W.E.


MELHOR MAQUIAGEM
Albert Nobbs
Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2
A Dama de Ferro* OK


MELHOR CURTA DOCUMENTÁRIO
The Barber of Birmingham
God is the Bigger Elvis
Incident in New Baghad
Saving Face* OK
The Tsunami and Cherry Blossom


MELHOR DOCUMENTÁRIO
Hell and Back Again
If a Tree Falls
Paradise Lost 3*
Pina
Undefeated


MELHOR CURTA EM ANIMAÇÃO
Dinamche
The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore
La Luna*
A Morning Stroll
Wild Life


MELHOR CURTA
Pentecost
Raju*
The Shore
Time Freak
Tuba Atlantic

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

"Super 8" de J.J. Abrams 2011


Se "A invenção de Hugo Cabret" de Martin Scorsese (2012) é uma homenagem à invenção do cinema, "Super 8" é uma homenagem a grande brincadeira de fazer filmes, quando se é jovem, cheio de sonhos e imaginação!!

J.J. Abrams (criador do fenômeno LOST) se uniu a Steven Spielberg (produtor do filme) para retratar parte da sua vida adolescente na década de 70, quando realizava curtas em Super 8 com seus amigos, e onde iniciou sua carreira no cinema, já como editor, aos 14 anos, após ganhar um pequeno prêmio de curtas Super 8, sendo convidado por Spielberg para editar curtas que ele também havia realizado na adolescência.


Abrams uniu a vontade de falar de si no passado, através de um grupo de adolescentes criativos e realizadores de vídeos 'amadores'; com um empolgante e 'sinistro' acidente de trem, envolto num ar de mistério adolescente; além de seres estranhos e adultos-vilões para criar "Super 8", que conta com um elenco mirim inédito (a maioria nunca havia atuado). Impossível não lembrar de "Goonies" e as peripécias adolescentes dos personagens em nossa doce infância da década de 80 e 90!!  


 Personagens de "Goonies"                    Personagens de "Super 8"  


O bacana do filme é entender como funciona a mente criativa de uma criança e adolescente, a partir do envolvimento entre os personagens, além da organização e disciplina que apresentam na hora de expressar sua criatividade. Nos créditos finais podemos ver o curta "The case", com ar bem 'artesanal', realizado por Abrams, buscando a expressividade infantil de décadas atrás. 

Seja Spielberg, Abrams ou meus alunos, a ficção científica é sempre o tema principal, onde maquiagens elaboradas e cenas de ação não poderiam faltar! 


 Fotos de alunos da Aula de Cinema em 2009 

Considerando que a criança aprende muitas coisas por imitação, é natural que na hora de se expressar em vídeos, reproduza clichês e histórias hollywoodianas fantásticas (ação&romance), já que é o que realmente as encanta e empolga, quando o pensamento abstrato e a subjetividade ainda estão se desenvolvendo.

Enfim, é um filme bacana para discutir a temática educação & cinema, justamente tema da minha pesquisa de mestrado ainda em andamento. O quê, porquê e como ensinar cinema na escola?!
 
Como professora posso afirmar que trabalhar com cinema em aula envolve organização, disciplina, interesse, criatividade, expressividade, subjetividade, dinâmica, trabalho em equipe, distribuição de funções, produção de materiais e cenários, criação de roteiro, etc e tal. Mas pra quem não é professor, o filme já dá uma boa noção do que seria fazer filmes com poucos recursos e muita vontade, começo de todo grande cineasta!! (Menos é mais!)

Ninguém nasce pronto! Aprender é um processo a longo prazo e quanto mais experimentamos, mais aprendizado nos é oportunizado! =)

Obs.: Recomendo os extras do DVD (making of, entrevistas, etc) e ouvido atento para a trilha sonora sombria, já presente no seriado 'Lost', criação de J.J. Abrams.

"A invenção de Hugo Cabret" de Martin Scorsese 2012

 

Ontem, quinta-feira, dia 23 de fevereiro de 2012, finalmente assisti a mais recente obra do cineasta norte-americano Martin Scorsese, consagrado por seus bons filmes de ação e suspense adulto.

Se me perguntassem qual meu filme favorito antes dessa fantástica experiência, não teria uma resposta precisa, mas hoje posso afimar com absoluta certeza que meu filme favorito é "A invenção de Hugo Cabret". Não pela história em si, mas porque é o primeiro filme que conheço (se não for o único que existe) que verdadeiramente homenageia a invenção do cinema, o pioneiro Georges Méliès, meu grande ídolo e uma parte da história do cinema, conhecida teoricamente como 'O primeiro Cinema', ainda mudo, preto&branco, de curta duração e que transitava entre 'realidade e ficção' (Irmãos Lumière e Georges Méliès) num esquema de 'cinema de atrações'.

Ainda esta semana, um dos meus primeiros alunos de cinema, o talentoso Luís Gustavo, procurou-me no facebook empolgado, contando como se lembrou das nossas aulas ao ver este filme. E do início ao fim da sessão, eu chorei de emoção, fiquei arrepiada e minhas lágrimas se misturavam ao meu sorriso, porque eu estava vendo em imagens parte do que havia estudado na faculdade, tudo que havia estudado para dar aula, que havia narrado e compartilhado com meus alunos da Escola da Ilha e pessoas anônimas que passaram pelos minicursos da SEPEX da UFSC, além do meu marido e amigos, que tenho certeza que lembrarão de mim e da minha empolgação ao falar como o cinema surgiu e como Méliès foi pioneiro em transformar sonhos em filmes!!! Meu marido disse 'O filme me fez lembrar de você e das coisas que você sempre fala do cinema!'.

Baseado no livro infanto-juvenil "A invenção de Hugo Cabret", do autor premiado Brian Selznick, o filme de Scorsese une duas histórias, do personagem fictício Hugo e do personagem da vida real Méliès para fazer uma grande homenagem à invenção do cinema e tornar seu filme uma obra essencial e obrigatória para qualquer estudante de cinema e cinéfilo, interessado em compreender o surgimento do cinema e seus primeiros desdobramentos. É um grande presente à História do Cinema e uma justa homenagem à Georges Méliès, pai dos 'efeitos especiais' e cinema de ficção, sempre beirando ao fantástico em suas histórias lúdicas.


Além de tudo isso, o primeiro filme em 3D de Scorsese confirma o terceiro grande marco da história do cinema, após o som e a cor, pois assim como em outras épocas, ainda há muita resistência (como Chaplin resistiu ao som), porém quando grandes cineastas aderem à uma inovação tecnológica e a exploraram ao máximo, será muito difícil reverter esta nova tendência do cinema. Estamos vivendo o 'futuro' e em breve fazer filmes em 2D será pura escolha estética, assim como já é, quando se faz mudo ou em preto&branco.

Scorsese experimenta o 3D de forma genial, explorando a profundidade de campo de várias maneiras, com elementos se aproximando ou se afastando em relação à câmera, com planos fixos e móveis, favorecendo a sensação de imersão nas cenas, além do bom uso da sobreposição de elementos cênicos, típico do 3D. Os enquadramentos parecem feitos de várias camadas!! Dá vontade de tocar os objetos e andar nos cenários!

A seqüência inicial do filme, quando a câmera desliza na estação e pára diante dos olhos de Hugo, escondidos por trás de um relógio, é maior prova de que o 3D não será passageiro, mas uma técnica que será explorada cada vez mais por mentes brilhantes do cinema. Este é um segundo grande presente, vivenciar uma nova forma de fazer filmes, quando tudo já parece tão desgastado. Scorsese soube explorar e pensar em 3D brilhantemente!


A direção de arte e uso da luz (contraste claro e escuro) reforça a tridimensionalidade e profundidade de campo do filme, mantendo um ar lúdico e fantástico, essencial em filmes infanto-juvenis, e especial quando se homenageia Méliès. Lembrei-me muito dos filmes do cineasta francês Jean-Pierre Jeunet (Delicatessen, O fabuloso destino de Amélie Poulain, Micmacs, etc), que também acredita que o cinema é o mundo da imaginação e dos sonhos.

Hugo (Asa Butterfield) é um jovem inventor, que aprendeu a consertar engrenagens e relógios, com os ofícios do seu pai relojoeiro. O último momento que passam juntos envolve a descoberta de um misterioso autômato, um boneco mecânico, que está quebrado e precisa de consertos. Antes do mistério ser desvendado, o pai de Hugo morre num incêndio e seu tio alcóolatra o leva para estação de trem, seu novo lar.

É neste ambiente, numa Paris de 1930 (ainda que os personagens falem inglês), que Hugo conhece o desanimado e inconformado Papa Georges (Ben Kingsley), dono de uma loja de brinquedos, e sua neta Isabelle (Chloe Moretz), devoradora de livros que nunca foi ao cinema.


Obcecado pelo conserto do autômato, Hugo rouba peças da loja de Mèliès, até ser pego e ter seus pertences retidos pelo velho rabugento. O caderno que carrega contém todas as informações sobre o boneco mecânico, o que deixa papa Georges transtornado. É neste clima de mistério juvenil, que a amizade de Isabelle e Hugo se fortalece e juntos descobrem quem Papa Georges realmente é, o grande pioneiro cineasta Georges Mélies.

Em certo momento do filme, Hugo conversa com Isabelle e acredita que tudo existe por uma razão, que qualquer artefato mecânico nunca contém peças extras, e por isso acredita que cada ser humano tem uma função no mundo, uma vocação, um objetivo. 'Ninguém é uma peça extra!'. Isabelle e Hugo não sabem ao certo qual sua função, mas acreditam que a de papa Georges precisa ser lembrada, pois ele parece tão quebrado quanto o boneco mecânico.

Aí reside a grande mensagem infanto-juvenil do filme: encontrar sua paixão, sua função e vocação. Sentir-se parte do mundo, essencial! Nunca alguém extra e descartável. E se observarmos o ciclo da natureza, tudo realmente cumpre uma função e se transforma! Ninguém é resto ou lixo! E se Méliès estava se sentindo assim, Hugo e Isabelle o ajudam a lembrar-se de quem foi, assim como Scorsese, através de seu filme ajuda-nos a lembrar de como o cinema surgiu e de como Méliès foi importante!!

 'Viagem à lua' de Georges Méliès (1902) 
Meu filme favorito do 'Primeiro Cinema'

O filme é emocionante 'fora de campo', pois me toca no meu lado mais sensível. Sou alguém que acredita nesse cinema da imaginação!!! Nada de discursos políticos ou posturas radicais, apenas entender que o cinema é aquilo que queremos que ele seja para nós, realizadores e espectadores. Ninguém é dono da verdade ou de uma definição específica, pois a experiência do cinema é única e passageira. Os filmes passam e se multiplicam, mas sensações e lembranças de cada experiência é que ficam!!! =)


Mais do que uma história infanto-juvenil, uma mensagem positiva, uma trama misteriosa e lúdica, uma belíssima direção de arte e experiência 3D, ou um ator não tão expressivo, e uma Paris estereotipada, o mais tocante foi ver trechos de filmes de Méliès restaurados em 3D. Foi emocionante ver 'A chegada do trem na estação' e as pessoas se jogando atrás das cadeiras. Ver o primeiro estúdio de cinema, feito de vidro para entrar toda luz possível, e os bastidores dos primeiros filmes do cinema, cenários, figurino, efeitos e peripécias!! "Aqui que inventamos os sonhos!" disse Méliès, o cineasta ilusionista que encantou o mundo com seus filmes fantásticos, pouco lembrados e valorizados! Talvez resida aí a importância de uma aula de cinema, que esclareça que os efeitos especiais começaram muito antes de Star Wars e afins! =)

Ver Hugo foi uma experiência tocante, emocionante e apaixonante, pois homenageia o começo de algo que se tornou minha grande paixão, como realizadora, espectadora e professora, pois mais do que fazer filmes, eu me realizo ensinando a fazer!! O cinema é de todos, e se eu puder ajudar que outros se expressem através dele, estarei fazendo cinema também! =)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

"A árvore da vida" de Terrence Malick 2011


Eu não gostei desse filme, mas isso é uma coisa que realmente nem importa. Neste caso, gostar ou não gostar, não desmerece a originalidade e complexidade da obra de Malick. É quase como dizer que 'se gostou ou não se gostou' do (impactante) "Mictório" de Duchamp ou de alguma obra (abstrata) de Picasso.


'A árvore da vida' é a abstração em filme. É a superação da narrativa linear ou não-linear. É um filme quase não-narrativo. Surreal talvez?! É a expressão simbólica de sentimentos e da espiritualidade de um diretor de quase 70 anos e com apenas 5 filmes na carreira. Ninguém faria um filme tão pessoal e intimista se pertencesse a indústria cinematográfica ou não tivesse recusado financiamento de grandes estúdios em sua primeira realização, apenas para ter plena liberdade artística em suas criações. Os filmes de Malick não são acasos. Ele fala sobre o que o toca profundamente. Dedica seu tempo precioso em cada segundo. Ele não faz filmes, ele cria! E jamais vai à público falar sobre seus filmes. Talvez ele pensasse como Chaplin, 'quer saber sobre mim'?! Veja meus filmes!!

É poesia e também 'poetar'; é refletir sobre os sentidos da vida e da morte, questionar e refletir sobre a fé e sobre Deus, como Jó também fez.

No início do filme somos contemplados com uma passagem bíblica da História de Jó. Essa é a premissa da história que irá nos envolver. Como ponto de partida, somos apresentados à família O´brien, suas alegrias e dores, inseridos num contexto muito mais amplo, simbolizado por uma construção gradativa de imagens sobre a criação divina, sobre a fé, sofrimento e complexidade da vida humana.

Na história bíblica, Jó era o mais fiel servo de Deus e levava uma vida plena e feliz, com vários filhos, posses, riquezas e uma bela esposa. Sempre agradeceu pelas coisas boas da sua vida, até o dia em que o Diabo confrontou Deus sobre Jó. O Diabo disse que Jó era fiel por não passar por nenhum sofrimento na vida. Deus então permitiu que o Diabo testasse a fé de Jó, com a única condição de poupar sua vida. O Diabo então tirou todas as riquezas e posses de Jó, mas ele permaneceu fiel e devoto ao seu Deus. Acreditava que assim como tinha que agradecer as coisas boas, deveria agradecer pelas ruins também, pois de alguma maneira eram necessidades e desejos divinos. O Diabo então tirou a vida de todos os filhos e da esposa de Jó, para que ele experimentasse a dor e perda além da material. Jó sofreu ainda mais, mas permaneceu devoto. O Diabo então resolveu tirar a única coisa que restava, a saúde de Jó, e ele penou, questionou a Deus tamanho sofrimento. As pessoas que conheciam Jó começaram a achar que ele fez por merecer todo aquele sofrimento. Jó ainda que tenha questionado a vontade divina, teve paciência, se arrependeu e renovou sua fé. Deus então o recompensou em dobro!!

A importância da história de Jó é a reflexão sobre a necessidade da perda e da dor para fortalecer a fé. Há muitos ateus e céticos no mundo, que diante da crueldade humana, condenam Deus ou a possível existência de um, mas fortalecer a fé é equilibrar-se mentalmente e espiritualmente. Diante de um problema, reconhecê-lo, cercá-lo e superá-lo. Diante de uma perda ou sofrimento, fortalecer-se, e isso pode ser com ou sem fé divina!

Malick parece ter sido tocado pelas histórias bíblicas e transportou essa espiritualidade para o cinema e para esta história, que fala justamente da criação divina, com imagens de explosões cósmicas, combinações químicas, primeiros seres vivos do planeta, evolução das espécies, até o surgimento do homem. 

Este ser Homem é representado por uma família tradicional da década de 50, onde um casal gera 3 filhos homens. Acredito que a escolha dessa ambientação (déc. 50) se deve às as próprias experiências pessoais de infância de Malick, suas referências e vivências, que ainda não envolviam eletroeletrônicos e novas tecnologias (televisão, vídeogames, etc). A 'doce' e 'velha' infância foi um período onde nossos pais ou avós foram educados por pais rígidos, mães dóceis e submissas, e onde se brincava de bolinha de meia, correr nos campos, banhar-se em rios, etc. Bem mais 'fácil' de trabalhar, não?!

Através do primogênito Jack, conhecemos simbolicamente o desenvolvimento biológico, social e cultural humano: o nascimento, os primeiros passos, as primeiras palavras, a descoberta do outro e dos objetos, o ciúme (do irmão), o primeiro machucado, as primeiras brincadeiras, o amor. E além de tudo isso, Jack e seus pais plantam uma árvore, que simboliza o próprio crescimento, amadurecimento e desenvolvimento de Jack. "Você já terá crescido antes da árvore!"  E adulto ele sempre está rodeado de árvores altas, além dos prédios.

Jack, criança e adulto (Sean Penn), representa a ambigüidade humana, desde quando se descobre um ser, enquanto criança e quando vivencia o 'complexo de Édipo' no final da infância, ao amar a mãe (Jessica Chastain) e detestar seu pai (Brad Pitt) - de educação rígida - até o sentimento de culpa e questionamento da fé na fase adulta.

A abstração de Malick é necessária para criar a subjetividade espiritual. Os personagens pouco falam e mais agem. Refletem (em voz-over) sobre si mesmos, sobre Deus e sobre a própria fé constantemente, como também fazemos cotidianamente. "Porque ser bom, se você não é Deus?!" se pergunta Jack ao ver uma criança morrer afogada. "Porque faço coisas que não quero fazer. Posso voltar atrás?!" se pergunta Jack ao implicar com o irmão, quebrar uma janela, aprontar. Jack vive o conflito de ser alguém 'bom' ou 'ruim', quando somos além do bem e do mal, humanos demasiados humanos, diria Nietzsche.

E ainda que os acontecimentos não sejam lineares, estão todos conectados. Nós espectadores montamos as peças ao final. E é ao final que somos contemplados com a morte simbólica. A vida após vida, um encontro de reencontros, com aqueles que perdemos e com nós mesmos! Um encontro espiritual e divino, segundo Malick.

Porque eu não gostei?! Porque consegui ver toda essa beleza e profundidade, sem ter sido tocada. Não é culpa dele e nem minha. Simplesmente não controlamos nossos sentimentos e sensações, são espontâneos. Uma pena! Queria ter entrada na 'vibe', na mesma sintonia do filme! (Talvez tenham sido os tabletes distraídos de chocolate; o calor típico do verão; as bitocas e chamegos com a pessoa amada por alguns segundos; os rápidos diálogos; alguma agitação natural do dia...não sei e nem saberei!)

Aos pessimitas, recomendo que para resistir a este filme até o final, é preciso 'mente aberta' e paciência, pois Malick não procura entreter ninguém em seus projetos. Ele procura 'tocar', deixando a espontaneidade fazer seu trabalho.

E como toda semente, este filme talvez ainda precise amadurecer dentro de mim! Ou não! =)

Ps.: Amei essa definição (super divertida) do filme aqui, então recomendo! =) "O filme é um abraço!"


Filmes do mês: fevereiro 2012

São atualizados no decorrer do mês.


09X-"Os fantásticos livros voadores do Sr. Morris Lessmore" de William Joyce 2012 (4)

08T-"Machete" de Robert Rodriguez 2010 (2)

07T-"Poesia" de Lee Chang-dong 2010 (4)
06C-"A invenção de Hugo Cabret" de Martin Scorsese 2012 (5)
05C-"Star Wars: Episódio 1 - A ameça Fantasma" em 3D de George Lucas 1999 (3)*
04L-"Melancolia" de Lars Von Trier 2011 (3)
03L-"Super 8" de JJ Abramns 2011 (4)
02L-"A árvore da vida" de Terrence Malick 2011 (4)
01T-"Código para o inferno" de Harold Becker 1998 (3)*

*Filmes Revistos 

Organização: Ordem crescente - em números.
Nome do filme + diretor + ano.
Códigos: X (internet), B (baixado), C (cinema), D (dvd acervo pessoal), L (locadora), T (tv).

Notas:

(0) dispensável
(1) ruim ou fraco
(2) razoável
(3) bom - técnica ou emocionalmente
(4) muito bom - rolou um punctum
(5) excelente - marcou minha vida
(P) prazer culpado (tecnicamente ruim, mas adorei)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Quando digo que curso cinema...

 Minha adaptação! hahahaha =)

"Chaplin" de Richard Attenborough 1992


Duas palavras: Charles Chaplin!

Nem Lumière, Meliès, Godard, Truffaut, Glauber Rocha, Spielberg, Almodòvar,  Burton, Fincher, Meirelles.....ninguém consegue cativar tanto minha admiração como Chaplin!

 
É na sua simplicidade que reside a genialidade. Obras de mais de 50 anos para qualquer público, em qualquer lugar, com qualquer repertório, de qualquer idade, qualquer gosto... 

Criar algo capaz de abranger o 'mundo' como público é genial! Ver qualquer obra de Chaplin pode despertar o riso, mas também promover muita reflexão, combinação que ele sabia fazer brilhantemente. "Tempos Modernos" que o diga! Mas ainda que ele seja reconhecido, nunca tive uma aula sequer sobre Chaplin, uma discussão e ele mal é citado nos livros teóricos. Uma pena! Mas com toda pessoa brilhante sempre há injustiças! Talvez a mesma injustiça que sofra Mazzaroppi, o Chaplin brasileiro!

Nesta cinebiografia, baseada no romance de sua autoria, com participação de Geraldine, neta de Chaplin, Robert Downey Junior personifica um homem inesquecível, com passado pobre e difícil, sonhador, determinado e ousado. Sua vida é mostrada desde os 5 anos de idade em Londres, em uma espontânea apresentação musical, até a ocasião em que finalmente é reconhecido pela 'Academia' e recebe o Oscar honorário pelo conjunto da obra em 1972, após anos de exílio na Suiça.


...e a peça termine sem aplausos!

Chaplin foi pioneiro e lutou por um cinema independente, e ouso dizer, um cinema autoral e único na época, ao criar o personagem que o consolidou como astro, Carlitos ou 'O vagabundo'. Através da cinebiografia descobrimos a dificuldade em lidar com a pobreza e a loucura da mãe, sua vida de mulherengo, a ausência de um pai, o início da carreira no teatro e depois no cinema, quando ainda era mera atração de trabalhadores e não se acreditava no cinema como arte.

Sua vida foi dedicada ao cinema nas mais diversas funções, comprometendo diversos casamentos e relações sociais, além da fortuna lhe render processos de paternidade e 'golpes do baú'.

Chaplin foi pioneiro na arte de fazer rir, de entreter, de falar afetuosamente com o (grande) público em tempos de guerra e crise econômica, ainda que suas críticas sociais não fossem tão explícitas e engajadas 'politicamente', como prefere Godard. Talvez um ousado 'senso comum' expresso em imagens e peripécias, que acabaram o rotulando de 'comunista' e o condenando ao 'exílio' após anos de carreira e sucesso nos EUA.

Chaplin foi muito injustiçado e talvez ainda seja, mas suas obras criadas (ator, diretor e escritor) em tempos técnicos bem limitados (sem cor e som, por exemplo) ainda provocam risos de qualquer geração. Incontestavelmente, um gênio! 

Um "Adriano" do cinema talvez, diria Freinet. Seu viés artístico estava na teimosia em não aderir ao som por anos, argumentando que o cinema falava pelas imagens. Talvez ele não tenha teorizado sobre isso e nem discursado, mas nessa época o cinema ainda engatinhava e se consolidava como indústria (antes do estatuto de arte, conquistado na década de 60), onde foi reconhecido e disseminado pelo mundo. Que bom! Sem o cinema-indústria, talvez hoje não existisse cinema nenhum!

Para conhecer e entender Chaplin não basta ver sua tímida cinebiografia, 'veja meus filmes' diria ele! "O garoto", "Tempos modernos" (meu favorito), "Luzes da cidade", "O circo, "O ditador" e outras obras-primas! =)

  
Chaplin só queria ser amado! Mas quem não quer?! =)

Museu Chaplin aqui.

Ps.: Nesta cena é possível entender o processo de montagem no início da história do cinema!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

"Os homens que não amavam as mulheres" de David Fincher 2011

 

O que nos faz querer ver um filme?! A história? O elenco? O trailer enigmático? As críticas negativas ou positivas?! 

Talvez não haja uma explicação lógica, apenas uma atração inesperada em conhecer algo diferente. E este filme em especial me provocou muita curiosidade, mesmo sabendo ser a segunda versão fílmica (e hollywoodiana) adaptada do romance 'Män som hatar kvinnor' de Stieg Larssonde, sucesso entre o público adulto. (A primeira versão fílmica sueca foi realizada em 2009 e ainda não assisti!)

É preciso estômago forte para sentar na poltrona e ver este filme até o fim quando se é mulher (e um homem sensato e 'decente'), assim como precisei quando assisti "Irreversível" de Gaspar Noé (2002). 

O filme não se trata apenas de um suspense policial, protagonizado pelo jornalista polêmico, Mikael Blomkvist (Daniel Craig), envolvido em um escândalo político, contratado por Henrik Vangerum (Christopher Plummer), um homem rico e com uma família enigmática, para descobrir o que aconteceu com sua sobrinha Harriet, desaparecida há 40 anos. 


O centro da história é a violência contra as mulheres, de todas as naturezas possíveis, em especial a violência sexual, materializada pela competente atuação de Rooney Mara na personagem inesquecível de Lisbeth Salander.

Lisbeth é uma hacker punk e antisocial, que esconde de todas as maneiras possíveis qualquer traço de feminilidade, sexualidade e sensibilidade. Não é preciso muito tempo para entendermos que sua vida foi marcada por profundos traumas e sua aversão aos homens é visível. Diante de uma situação limite vivida, Lisbeth revelou sua psicose, diria Jung. Em horas de lazer, usuária de drogas, álcool e sexo consentido. Ela não vive, sobrevive!

Sob tutela do estado, depende de tutores para ter acesso a dinheiro e manter sua 'liberdade', mas sua ficha é longa e suja demais para ter qualquer credibilidade diante de qualquer tipo de extorsão e violência física por parte de seus 'tutores'. É nessa fragilidade física e social que Lisbeth é mais uma das tantas mulheres exploradas e violadas de todas as maneiras possíveis, por homens que se julgam superiores e 'invencíveis'. 

Sofremos com sua dor e desejamos a doce vingança (aquela mesma de "Dogville" de Lars Von Trier - 2003) que coroa a reviravolta na trama com a tatuagem "Eu sou um porco estuprador", pois em seguida Lisbeth conhece Mikael e é contratada para desvendar o desaparecimento de Harriet.

Dois protagonistas que evoluem em tramas paralelas e que se unem para desvendar uma série de assassinatos cruéis associados a passagens bíblicas, onde as vítimas são mulheres, estupradas, esquartejadas e desfiguradas. Mulheres-objeto, usadas, abusadas e descartadas como lixo. Vingança doce e dupla!!

Lisbeth em sua obsessão hacker ajuda Mikael a cruzar as informações e encontrar o assassino de todas elas, o irmão falecido de Henrik (o tio de Harriet). Porém, toda essa crueldade foi praticada na presença do primogênito Martin (Stellan Skarsgård), também serial killer de mulheres e irmão de Harriet. Sua sexualidade e desenvolvimento psicossexual incorporaram a crueldade paterna, dando continuidade aos abusos sexuais familiares já existentes.

A revolta com 'os homens que não amavam as mulheres' é tão grande que sentir aversão à humanidade se torna natural, mas Lisbeth nos surpreende ao mostrar doçura e delicadeza ao se envolver sexualmente e emocionalmente com Mikael, figura protetora e gentil. "Eu fiz um amigo!" diz ela ao final. 

Muitos homens ainda não amam as mulheres, mas Fincher nos apresenta uma anti-heroína, em toda sua agressividade e rebeldia, necessárias num mundo tão hostil e cruelmente humano. Precisamos acreditar que outras 'Lisbeth' existem, guerreiras e sobreviventes. E desejar secretamente justiça 'olho por olho', 'dente por dente', pois não há punição que remedie a dor de (sobre)viver algumas violências. Eu prefiro a morte!

A trama é forte, cruel, acompanhada de uma trilha sonora tensa e sombria, repleta de personagens enigmáticos, sarcásticos e dúbios. E o cenário é mais verossímel que qualquer conto de fadas. O filme 'makes me sick' (me deixa enjoada) e culpada de assistí-lo. Mas às vezes, entre alguns 'happy ends' e 'mundos cor de rosa' é preciso encarar a complexidade humana e as manifestações sexuais injustas, reais e atuais em nossas sociedades. 'Humano demasiado humano'. 'Além do bem e do mal!' diria Nietzsche.


É preciso falar sobre o paternalismo e machismo perpetuados há séculos entre os homens, manifestados explicitamente através das violências físicas e sexuais tão presentes nas mídias, ainda que muitas organizações sociais pré-históricas fossem comprovadamente matriarcais e coletivas. Tudo pelo poder...uma pena!

É preciso mostrar o extremo e o horror para provocar desconforto, choque e talvez alguma reflexão em mulheres que se tratam como objetos, e se permitem ser usadas, inferiorizadas, submissas, caladas e infelizes. Há mulheres que não se amam!

Aos homens que simplesmente 'não amam' as mulheres, Lisbeth! =)