Nos últimos anos, Hollywood parece ter decidido contar histórias atreladas às grandes marcas e o universo virtual (como era de se esperar. a cultura espelha o meio e vice-versa), como Facebook, Apple, Google e agora, a Revista Life. Que ótimo! Porque com o filme A Rede Social, (de David Fincher, 2010) pudemos conhecer melhor os bastidores da criação de uma rede social, o Facebook, na perspectiva de seu criador e o universo virtual que o envolve, além do atual conceito de 'nuvem na rede' (as informações ficam sim armazenadas num espaço físico, ok?! que no filme, começa num quarto de estudante universitário), que ajuda a compreender alguns dos impactos sociais que as novas mídias vem causando. Tem que ver!
No ano passado fomos premiados com o filme Jobs (de Joshua Michael, 2013), e pudemos compreender a criação de um ícone, a Apple, por seu idealizador, Steve Jobs (Ashton Kutcher) e uma maneira diferente de ver e fazer as coisas. Compreendemos melhor o conceito de economia afetiva, ao comprar uma ideia e não apenas um produto, como acreditava Jobs. Apple não é só uma marca que vende produtos, é uma ideia, uma ideologia, e quem se identifica com ela, torna-se fiel, não importa quanto isto custe. Considerada a empresa mais valiosa do mundo, o filme nos apresenta parte do universo empreendedor de Jobs e como a habilidade de 'saber vender' é a chave para o sucesso.
Já Os estagiários (de Shawn Levy, 2013), é uma comédia mais superficial, mas que aborda o universo criativo do Google e apresenta o conflito de gerações, através de dois personagens quarentões, Billy (Vince Vaughn) e Nick (Owen Wilson), ótimos vendedores de lojas físicas, que precisam se adequar a uma nova maneira de vender e pensar virtualmente, no universo Google. O novo perfil de profissional nos é apresentado como alguém criativo, dinâmico, multitarefas, representando no filme pelas novas gerações, mas que precisa aprender a vivenciar experiências (para além da fantasia e imaginação) e dominar a habilidade da comunicação, mas não só a virtual, como bem representam os quarentões do filme.
E é com essa simpatia, humor e delicadeza, que temos Walter Mitty, um funcionário da Revista Life (prestes a se transformar em mídia digital), responsável pelos negativos da versão impressa e com uma mente fértil, mas com pouca história pra contar. Baseado no conto de James Thurber (1894-1961) e dirigido e estrelado pelo engraçado Ben Stiller, A vida secreta de Walter Mitty é um filme que exige sensibilidade para ver a delicadeza que possui, além de ser engraçado e até clichê.
Walter é um homem comum, aprisionado a sua zona de conforto, de não ter a coragem para viver as aventuras que imagina. Quantos de nós somos assim, não?! Quando a revista anuncia a migração para a plataforma digital, Walter é responsável pela foto da última versão impressa. Este é o pontapé inicial, a chamada (real) para aventura que ele estava precisando. E a jornada em busca dessa última foto, com o aventureiro fotógrafo Sean O’Connell (Sean Penn), provocará profundas transformações no personagem. Até aí, há muitas histórias parecidas e previsíveis como essa, afinal a jornada do herói é sempre essa: cumprir uma jornada e se transformar ao final, com ou sem final feliz. Mas com sensibilidade suficiente, é possível ver mais.
A cena mais singela do filme, é quando Sean (que me lembra Sebastião Salgado, em suas múltiplas aventuras pelos confins do mundo) se prepara pacientemente para ver o leopardo das neves (gato-fantasma) e Walter o encontra e o questiona "Você não vai tirar a foto?". Sean, que esperou pacientemente pelo precioso momento, diz que não, porque às vezes o momento onde ele se encontra é tão bom, que ele não quer ser distraído pela câmera. Ele prefere vivê-lo, já que é passageiro. Viver o que não pode ser registrado, viver o que não pode ser imaginado. A fotografia do instante não daria conta do instante vivido!
Esta foi umas das passagens mais sensíveis e leves que já vi e acaba por ilustrar alguns dos nossos dilemas de vida. Deixar a imaginação de lado e se arriscar mais a viver ou parar de esvaziar nossas vidas com os registros, apenas eles, tão comuns e bombardeados ultimamente (não me excluo dessa!) para realmente apreciar o momento, tão passageiro, tão efêmero e delicado.
Certo dia, me peguei dizendo 'ei tem que ter FOTO do brinde' e meu marido disse 'não. tem que TER o brinde!". Já pensamos em formato de imagens. Eu penso. Construímos nossa vida visualmente, como numa timeline mental, e às vezes, momentos que parecem irrelevantes para um bom álbum (virtual), deixam de ser vividos e apreciados, porque não dariam uma boa foto, um bom registro.
Conheço várias pessoas que se entregam ao mau humor e tédio por não ter acesso à internet em determinados lugares, sejam eles com vistas belíssimas, pessoas interessantes e experiências diferentes. Se não pode ser registrado, parece que não foi vivido. E às vezes eu realmente tenho esse sentimento,. Mas às vezes também nem desperdiço meu tempo tentando tirar a foto de um pôr-do-sol, ou de um sorriso, porque a foto é incapaz de captar o que sinto e vejo naquele momento.
Esta passagem singela do filme me fez pensar sobre isso. Sobre o vazio do instante e sobre aquilo que não é mostrado. Precisa ser? Pensei sobre a beleza que ainda existe no mundo, nem sempre revelada, mas talvez seja bom que seja assim. Que o que é intocado, permaneça intocado. Que cada um possa enxergar a beleza dentro de si, no instante em que estiver, num momento que não queria deixar de estar. São preciosos e passam rápido.
Mas talvez só eu veja tudo isso no filme. Não importa. Ele me trouxe leveza, alegria e sorriso. E a certeza de que Ben Stiller adora a palavra little em tudo, como se fosse realmente engraçado.
A vida secreta de Walter Mitty (sendo um filme sobre o universo - superficial - da fotografia) não pecou na excelente fotografia, mesmo que os espaços e lugares, como a Groelândia e a Islândia, contribuam pra isso. Ele tem um humor desnecessário, que poderia ser contornado com maior seriedade nos diálogos e construções das cenas, mas é Ben Stiller, gente! Vamos perdoar o cara! Ele tenta! Esse humor torna o filme mais superficial, porém a imaginação fértil de Mitty precisava criar o impossível, para que pudéssemos avaliar o que era real e o que era fruto de sua imaginação, tal como o conto parece ser.
Se vale a pena? Só você poderá dizer. =)