quarta-feira, 19 de março de 2014

"Ela" de Spike Jonze 2013 EUA

 

Eu não vou falar sobre a belíssima fotografia desse filme, que imprime em cada tomada, o estado de espírito do personagem, em sua insignificância, solidão ou profunda paixão e confusão. Estados de espírito que todos passamos ou passaremos em nossas vidas amorosas.

Não vou falar da direção de arte minimalista, que nos apresenta um futuro possível, na simplicidade das cores sóbrias, decoração clean e no destaque quente para o quê e quem mais importa na história contada.


Não vou falar dos trabalhos anteriores do diretor/roteirista (fingindo que sei isso de 'cor'), nem do reconhecimento que teve ao ser premiado este ano com o Oscar de melhor roteiro original, por contar a história de um homem que se apaixona por um sistema operacional num universo onde isso é comum (e cada vez mais realista), quando na verdade, o que ele queria (e assume), era falar sobre relacionamentos e os estados de espíritos pelos quais passamos, em cada etapa de nossas vidas amorosas.

Não vou nem falar do nome dos personagens ou atores que os interpretam, quando poderiam ser apenas Ele e Ela. Esse ela, que é só um outro, sem rosto, sem toque, sem sexo, só voz.

Não vou falar e nem trazer referências possíveis, já que o filme aborda questões contemporâneas como o isolamento social, o ciberespaço e as novas relações com as novas mídias; as aproximações com o pós-humano e o contexto social desapegado à matéria.

Eu prefiro não. Eu prefiro não!

Eu vou falar com a alma, porque esse filme tocou minha alma ou alguma coisa muito profunda dentro de mim, que prefiro chamar de alma. É de lá que vou falar desse filme, porque coisa assim me parece rara. E tudo que é raro, é especial!

E faço isso acompanhada da trilha sonora desse filme, boa parte composta por Arcade Fire (seja lá o que isso significa), que eu não conheço, não conhecia e não pesquisei nada para aqui escrever sobre. Mas é uma trilha que me marcou profundamente, que toca no som do meu carro enquanto devaneio pelas ruas da cidade, às vezes sorrindo, às vezes em lágrimas, ora agradecendo por estar viva, ora por ter vivenciado um momento difícil, e de vez em quando me faz lembrar desse filme, dessa sensação do vento tocando meu rosto, de girar de felicidade, de chorar durante o banho quando sinto a mais profunda solidão.

 

Solidão que já senti no vazio do término de um relacionamento, de enxergar alguém íntimo como um estranho, de viver os dias sem ânimo, ligar o piloto automático da vida, de achar que a dor nunca vai passar, de sentir um buraco dentro de mim,  e depois preenchê-lo quando eu menos esperava. Encher esse buraco de amor, de paixão, amizade, carinho, felicidade. De me descobrir no outro e tudo fazer sentido. De compreender que toda a dor valeu a pena para vivenciar tanto amor. De encontrar equilíbrio no outro e em mim. De encontrar paz! Encontrar pureza. Encontrar delicadeza! E não se importar mais com o mundo, com o que os outros pensam e acham, mas só com o mundo dentro de mim. De aprender a amar e ser amada incondicionalmente!


E ainda que esse dia chegue, de compreender o amor incondicional, os conflitos internos nunca terminam, não é mesmo?! Continuamos buscando respostas para o que sentimos e esperamos que os outros possam aliviar nossa dor, mas a verdade é que ninguém 'outro' sabe, só você sabe o que vive, o relacionamento que vive e como se sente nele. 

O que você acha? pergunta ele a ela, uma amiga. "Eu não sei. Eu não estou nesse relacionamento pra saber!" 

Mais do que um homem que se relaciona com um sistema operacional, é um filme sobre os altos e baixos dos relacionamentos amorosos. Um filme sobre ele e ela, mas ELA é só o outro. É só uma voz, um alguém, uma projeção de alguém. É um filme sobre a dor do fim, a dor da insegurança, a dor de não ser mais amado ou ser incapaz de amar e se entregar. É também um filme sobre a paz e alegria de amar, de aprender a amar e ser alguém melhor, nem que seja para alguém que ainda irá surgir.


É um filme que toca cada pessoa de uma maneira, já que cada pessoa no momento em que assiste, está vivenciando diferentes tipos e níveis de amor. Há os que nunca se apaixonaram e talvez não compreendam a poesia visual deste filme. Sentir por imagens. Estar num lugar, mas se sentir em outro ao fechar os olhos, ao ouvir uma música, ao lembrar de um beijo ou voz. 

Há os que estão apaixonados, e talvez achem o filme incapaz de dar conta de toda a explosão que sentem. Explosão inexplicável. Pura cegueira! Amor idealizado.

Há os que acabaram de romper ou estão infelizes na relação que vivem, e ver este filme é se identificar com a dor do vazio ou da relação que se desgasta com o tempo. Do amor idealizado que não se confirma. Da angústia de se deparar apenas com uma projeção do outro, mas jamais com ele mesmo. É se identificar com toda a incompreensão, insegurança, controle e mudança que um relacionamento sofre. Pessoas que se transformam de maneiras diferentes e nem sempre continuam fazendo sentido juntas. Tornam-se incompatíveis, mas demoram a perceber ou não estão prontas ainda.

Há os que amam! Que sentem um amor incondicional pelo outro, que não é filho, nem parente, mas um grande amor, um parceiro, que não é sangue do seu sangue, mas um estranho que se torna íntimo e alguém que te conhece em toda sua profundeza de qualidades e defeitos. Que ama incondicionalmente o 'pacote completo'. Que torce pelo outro, mesmo que isso signifique libertá-lo de si. Que mostra o mundo, ensina e apresenta coisas novas (livros, filmes, ideias, amigos,...) e ajuda a tornar o outro uma pessoa melhor, mas ao fazer isso, às vezes, precisa lidar com a insignificância que passa a ser e ter para o outro, e precisa libertar esse outro para vê-lo feliz. O mais puro amor incondicional!

E há aqueles que compreendem que o amor incondicional é eterno enquanto dura e que...tudo bem! Tudo bem! Contagia-se com um pouquinho que o outro deixa de si e prepara-se para encontrar novamente o amor. Coloca-se a disposição para o que der e vier e ser feliz sozinho ou acompanhado, mas sempre completo! O amor incondicional por si mesmo! =)

E há ainda outros tipos mais de amor, indefiníveis, inexplicáveis, inconstantes, que não se pode medir, definir em palavras, que só sentimos e passamos a vida tentando compreender. Quem sou eu para estar aqui fazendo isso, não?!

Nem ele, em 'Ela', é capaz de se compreender... 


E às vezes, mas só às vezes, alguns filmes, músicas, livros, histórias, sempre histórias, nos ajudam nesse processo. Confirmando ou acrescentando sobre o tipo de amor que sentimos!


'Ela' me toca desta maneira. Fala do amor de diferentes formas. E como é difícil descrever o amor, não?! Como é difícil entender o amor nessa tentativa trágica de rotular quando ele não se encaixa em nada. Ele só....é. Só existe. Só nos invade. Só nos ensina. Permite. Engana. Machuca. Cura. Contagia. 

O amor. Ela. Ele. Nós. Você. E só. =)

terça-feira, 11 de março de 2014

"No" de Pablo Larraín 2012 Chile

 
 
"No" é um filme baseado no manuscrito não publicado "El Plebiscito", escrito por Antonio Skármeta, dirigido e roteirizado por Pablo Larraín, e retrata os bastidores de uma campanha publicitária bem sucedida no Chile em 1988, num período pós-ditatura militar, onde o povo foi convocado a votar num plebiscito que decidiria SIM, pela permanência do General Augusto Pinochet e NO, por sua saída imediata, com direito a 15 minutos diários de propaganda para cada campanha (atendendo pressões internacionais), após um período de 15 anos de silêncio para a oposição.
 


 
Apesar da (falsa) ideia de democracia ao convidar o país a votar, o clima no país é tenso e  para qualquer tipo de manifestação, a violência policial predomina, inclusive para a equipe que elabora os VTS da campanha NO. Ameaças silenciosas, intimidação, nada foi suficiente para impedir o sucesso - improvável - de uma campanha contra a ditadura. Virou questão de estado!

Sim, o filme é uma ficção repleta de realidade, inclusive na participação de personalidades - já com as rugas do tempo - que participaram da campanha (verdadeira), presentes em cenas que ajudam a reconstruir os bastidores de uma campanha que transformou a história.
 
René (Gael García Bernal) é o publicitário com olhar inovador que bola esta campanha inusitada (e real!) focada no sentimento de alegria e liberdade que o povo poderia sentir sem Pinochet, ao invés de focar em todas as atrocidades de seu governo, como bem queriam todos os 17 partidos da oposição. Como conscientizar uma população já assustada?
 
O protagonista sofreu com a ditatura, mas colheu bons frutos do exílio (nos EUA) com seu pai, ao absorver a cultura pop da década de 80 e imprimir em seus trabalhos um aspecto alegre e cativante, sempre preocupado com 'o atual contexto social onde o comercial se insere', frase que profere cuidadosamente na apresentação de cada trabalho.
 
Essa mesma alegria, estrategicamente presente nos comerciais de TV, que nos instiga a comprar cada vez mais coisas 'inúteis', e contribui para um consumismo inconsciente, com a falsa sensação de trazer felicidade, foi a mesma que contagiou o povo a derrubar Pinochet e enfrentar o medo da repressão. Perigosa alegria, não?!
 
 
Através de René podemos observar todo o processo criativo de uma campanha, desde os rabiscos do designer para bolar a logo; o debate da equipe de criação durante um piquenique na praia sobre o público-alvo e as estratégias para atingir este público; os momentos de inspiração do publicitário ao brincar com o trem do seu filho; as pré-montagens para apresentação de proposta de comercial; os debates de propostas com ideias divergentes; o contraste entre as duas campanhas, além do filme nos brindar com os originais comerciais que marcaram profundamente a história do Chile e do mundo.
 
E é a presença destes comerciais originais que parece moldar toda a estética do filme, já que para ambientá-los num contexto tão contemporâneo, foi preciso incorporar visualmente toda a estética pop dos comerciais dos anos 80 na confecção das tomadas, em suas cores, grafismos, movimentos de câmera, edição linear, produzidas num estilo mais documental, menos planejadas e mais intimistas, criando um cenário possível e realista para exibição dos comerciais originais.  Equilíbrio puro!
 
Mais do que um filme sobre o papel determinante de uma eficaz campanha publicitária utilizada com a boa (será?) finalidade de derrubar um ditador, é também um filme sobre o poder persuasivo das propagandas. Alegria perigosa!!

 

Filmes do mês: fevereiro e março 2014

São atualizados no decorrer do mês. 

25T-"A guerra dos botões" de Yann Samuell 2011 FRANÇA (3)
24T-"Um homem de sorte" de Scott Hicks 2011 EUA (1)
23T-"Detona Ralph" de Rich Moore 2012 EUA (2)
22D-"Sem destino" de Dennis Hopper 1969 EUA (2) 
21T-"A filha do meu melhor amigo" de Julian Farino 2011 EUA (2)
20D-"Noivo neurótico, noiva nervosa" de Woody Allen 1977  EUA (4)
19T-"No" de Pablo Larraín 2012 Chile / Estados Unidos / França (4)
18B-"Capitão Phillips" de Paul Greengrass 2013 EUA (2)
17B-"Clube de compras dallas" de Jean-Marc Vallée 2013 EUA (2)
16D-"O sucesso a qualquer preço" de James Foley 1992 EUA (2)
15C-"Pompéia" de Paul W.S. Anderson 2014 EUA (0)
14C-"Philomena" de Stephen Frears 2014 REINO UNIDO (3)**
13C-"Ela" de Spike Jonze 2014 EUA (5)
12C-"Aventuras lego" de Phil Lord, Christopher Miller 2014 EUA (3)
11C-"12 anos de escravidão" de Steve McQueen 2013 EUA (3)
10T-"Mais um dia" ITALIA (3)
09C-"A grande beleza" de Paolo Sorrentino 2013 ITALIA/FRANCA (4)**
08T-"Amanhecer 2" de Bill Condon 2012 EUA (P)
07T-"Agora e para sempre" de Ol Parker 2012 EUA (2)
06C-"A menina que roubava livros" de Brian Percival 2014 EUA (2)
05T-"Mary e Martha" de Phillip Noyce 2013 EUA /REINO UNIDO (2)
04T-"A negociação" de Nicholas Jarecki 2012 EUA (2)
03T-"Sombras da noite" de Tim Burton 2012 EUA (3)
02C-"Trapaça" de David O. Russell 2013 EUA (2)
01T-"O vingador do futuro" de Len Wiseman 2012 EUA (1)
 
*Filmes Revistos
**Clube do Professor
***Curta no Intervalo
 
Organização: Ordem crescente - em números.
Nome do filme + diretor + ano + país
Códigos: X (internet), B (baixado), C (cinema), D (dvd acervo pessoal), L (locadora), T (tv), M (mostra), A (aula), V (avião)
 
Notas:
(0) dispensável
(1) ruim ou fraco
(2) razoável
(3) bom - técnica ou emocionalmente
(4) muito bom - rolou um punctum
(5) excelente - marcou minha vida
(P) prazer culpado (tecnicamente ruim, mas adorei)